domingo, 7 de março de 2010

Viva as diferenças

Adoro gente, normal e diferente e tenho convicção de que gosto não se discute. Cada um tem os seus. Eu posso não gostar, mas preciso respeitar. Eu não sou básica como azulejo branco, ao contrário, adoro cor, óculos grandes, bolsas e paro por aqui porque corro o risco de ultrapassar o número de palavras que eu posso utilizar nesta crônica. Vou tentar explicar o que eu considero diferente e, provavelmente, não seja o mesmo para você. Diferente, também, podem ser nossas percepções sobre decotes, por exemplo. Para mim se mostrar apenas o colo é um decote normal, se não chegar a mostrar os mamilos é um decote ousado, depois disso já vira um topless. Cada um no seu lugar e na sua hora. Sensatez faz bem.

Voltando ao tema diferenças admiro e acho interessantíssimas as pessoas do mundo artístico: músicos, atores, circenses. Também sou chegada em homens engravatados e seus segredos, profissionais bem sucedidos sejam médicos, psicólogos, dentistas, professores, secretárias, engenheiros e aventureiros, esses que conseguem passar um ano em viagens mar afora, sempre a um passo do incerto. Adoro ouvir alguém cantar com a voz, com a alma, com os braços, com as mãos, com os cabelos, com o corpo todo. Adoro ouvir risadas altas, semblantes serenos, olhos verdadeiros. Adoro olhar para as pessoas e pensar que mil coisas podem estar acontecendo em suas vidas. Segredos reservados aos mais chegados.

O que faz um casal jantando em um restaurante? Fome, pura falta do que fazer, gostar da companhia um do outro, comemorar algo especial. Estão onde gostariam? E o que faz um sujeito sentado em cima da moto, olhando pro nada, na ponte desativada que liga Pelotas a Rio Grande, em pleno domingo, com um sol de derreter o asfalto? E um jovem dormindo no teto de um quiosque de sorvete no amanhecer de domingo?

Admiro, sobretudo, pessoas que sejam felizes, realizadas e que se banquem. Eu entendo por se bancar o basicão: manter-se de pé sozinho, com auto-estima e amor próprio, ganhar seu próprio dinheiro e ter uma choupana para se orgulhar. Alguns conseguem isso rapidamente, outros muito tarde e alguns nunca. Admiro os que freqüentam consultórios de psicoterapia em busca dos fios de suas meadas e desatam os nós da felicidade. E, ter tudo isso trás felicidade? Depende. Nenhuma felicidade é igual. "Mulheres Cheias de Graça, livro do Padre Fábio de Melo, tem um belo conto que tem uma frase que diz mais ou menos assim "Mamãe, há felicidades escondidas por toda a casa. Observe o prazo de validade para que não se percam!". Achei lindo. Em mim serviu como uma luva espero que em você também.


Andréa Muller

Jornalista

Te amo

Eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam. Eta verbinho pequeno e mágico, revolucionário. Recheio de novelas, tema de filmes, livros a perder de vista. Pequeno e infinito, sem ponto final porque continua permeando nossa lembrança com seus ótimos momentos. Até a coca-cola conseguiu colocar em seu rótulo "mãe você é essa coca-cola toda". É ou não é uma declaração de amor global e teen?

O amor vira versos universais que servem como uma luva. Apoderamos-nos do que outros apaixonados escreveram e usamos em causa própria. É o que eu pretendo agora com o livro, Te Amo. Não sei se é livro ou cartão. Mas, tenho certeza de que é uma declaração de amor. Te Amo, da editora BesouroBox, de Porto Alegre, foi escrito por Alexander Pivato e Marco Cena. O livro tem a capa preta e em letras garrafais vermelhas está escrito TE AMO. Não tem numeração nas páginas, mas eu contei e são 45. A contra capa anuncia, "O ministério da Saúde adverte: este livro pode causar paixões arrebatadoras. "A prova d'água. Chore à vontade em cima dele". E, na primeira página: "Sorria, você está sendo amado (a).

Te Amo chegou para mim através de uma colega de trabalho que recebeu de presente esse pequeno notável do seu namorado. De cara ele virou fonte de inspiração e ganhou a crônica dessa semana, merecidamente, porque é muito bem bolado e interativo. A proposta é que os apaixonados marquem com um (x) a sua maneira toda própria de dizer eu te amo. Ai está sua delicadeza, dizer eu te amo personalizadamente.

"Te amo aos gritos! Te amo de cantinho. Te amo porque és... a tampa da minha panela; meu lexotan; a agulha do meu palheiro; o antivírus do meu computador; o feijão do meu arroz; meu parque de diversões; a uva do meu vinho; a vela da minha encruzilhada; o catchup da minha batatinha; a outra metade da minha laranja; a surpresa do meu kinder ovo; a calda do meu pudim; meu início; meu fim; meu meio. Te amo porque és minha vontade de seguir adiante; minha boa maré; meu farol radiante. Te amo e isso não tem preço. Te amo e pouco importa... se tua mãe é minha sogra; aquela sujeirinha atrás da orelha; se me ligas a cobrar; se não me convidas para o teu Orkut; se não largas o controle remoto; teu ronco; a mula manca; se meu time perdeu; que ligou meu play III na voltagem errada; a boca torta; o limite do teu cheque especial; teu hálito pela manha; se desafina quando canta; se não sabe dançar".

"Te amo, logo... te dei este livrinho; insisto; te chamo por um apelido fofinho; entendo meu cunhado; tomo mais banhos no inverno; suspiro; me mordo de ciúme; arrumo a casa todo dia; quero casar contigo; me jogo aos teus pés; derreto; levo sempre comigo tua foto; cuido mais do meu quintal; escrevo teu nome na areia. Te amo e quero ser... teu sabonete; o disquete do teu drive; a manteiga do teu pão; teu tapete mágico; o ponto de exclamação da tua frase; a goiabada do teu queijo; teu filtro solar; a última bolachinha do teu pacote; o melzinho na tua chupeta; tua vontade de sorrir; a azeitona da tua empada; o recheio do teu sonho; teu abrigo na tempestade".

"Te amo assim... feito gato no telhado; como água mole em pedra dura; no escurinho do cinema. Te amo mais do que... ser chamado na sala de espera; fio dental depois de chupar manga; tirar meus sapatos apertados; um 10 na prova". Corre e compra esse livro tchê porque tem tantas maneiras de dizer eu te amo que não cabe nesta crônica.

Andréa Muller

jornalista.

Ser feliz ou ter razão?

Assisti a uma palestra da diretora presidente das Lojas Magazine Luiza e nunca esqueci a seguinte frase: "Você quer ser feliz ou ter razão?" Pode parecer simples, mas não é. É uma decisão difícil pra chuchu e digna de uma cadeira específica na faculdade, quem sabe até um mestrado para auxiliar nossa decisão e o caminho para chegar lá.

Pois bem, se quiser ter razão azucrine sua mulher, sentado no banco do carona do carro, mandando ela fazer o trajeto que você faria, arrancar na velocidade que você arrancaria, estacionar na vaga que você escolheria. Pequeno detalhe: não é você que está no volante! Agora, se quiser ser feliz, a deixe dirigir como sabe, escolher o caminho que quiser e, se não for pedir demais, coloque para tocar um CD bacana, elogie, a chame de meu amor, meu bem, meu docinho, ou fique calado que faz efeito também.

Se quiser ter razão achincalhe com a empregada, reclame todos os dias que a camisa ficou com o suvaco sujo, mal passada, que suas cuecas sumiram das gavetas. Se quiser ser feliz, fale isso diretamente para a empregada sem intermediários, se tiver coragem.

Se quiser ter razão proclame aos quatros ventos que sua infância era muito diferente de hoje, que você contava seus brinquedos nos dedos das mãos, que não existia internet, que ninguém dizia palavrão, que criança jantava antes dos pais e dormia cedo. Se quiser ser feliz eduque seus filhos para o mundo de hoje e busque-os nas festas na hora combinada para vê-los ressonando na cama com segurança.

Se quiser ter razão reclame que sua mãe só faz o que quer, gasta uma fortuna comprando um tapete persa quase no fim da vida. Se quiser ser feliz aceite que ela pode fazer tudo isso e muito mais. É dona do seu nariz, já criou você e ponto final. Ah! E peça o tapete de herança.

Se quiser ter razão conte quantos sapatos você tem no armário. Se quiser ser feliz compre mais um. Se quiser ter razão questione porque seu amigo sai todas as noites de bar em bar e nunca sossega o facho. Se quiser ser feliz, deixa o coitado viver. Cada um tem seus porquês.

Se quiser ter razão sinta dor de cotovelo porque sua irmã vai fazer uma lipoaspiração na barriga, sua vizinha é sarada, sua colega dança como ninguém e a cunhada tem os cabelos lisos de nascença. Se quiser ser feliz, aceite você com suas qualidades ou defeitos. Se for insuportável batalhe para alcançar suas metas, faça por onde, persiga, trilhe e esqueça a razão. Foque apenas na felicidade. Se conseguir me passe a receita por e-mail.



Andréa Muller

Jornalista

Recomeçar

Recomeçamos todos os dias. Ganhamos esse presente, privilégio, sorte, dádiva diária que é abrir os olhos e ter um dia inteirinho para gastar, usar, amassar, jogar fora, fazer valer, ser maravilhoso ou uma bela porcaria. A gente pode escolher entre comer saladas e ter um corpão sarado ou se lambuzar comendo uma orelha de macaco (os finos dizem palmier) e ficar com as conseqüências coladinhas na cintura. A gente pode escolher com a razão, com o coração ou com o uni-duni-tê. A gente pode tomar banho quente, morno ou frio, dormir tapada ou destapada, só ou acompanhada. A gente pode tudo, mas, na maioria das vezes, acaba fazendo tudo igual. Fazemos o mesmo trajeto para ir ao trabalho, embestamos que segunda-feira é dia de começar o regime da sopa, que terça se prepara feijão novinho e que sexta é dia de massa. Guardamos as taças mais lindas para uma ocasião especial, a roupa nova para outra ocasião e a torta intacta para quando as visitas chegarem.

Convenhamos o Ano Novo não é tão novo assim. Não é nenhum conto de fadas onde dormimos gata borralheira e acordamos princesa, Barbie, Giselle, Beyoncé. Que bom que fosse! Será? Mesmo com a possibilidade diária de um dia zero quilômetro pela frente reclamamos da vida. Se fosse possível acordar a com a voz da Maria Gadu seria tão fácil que não teria graça nem valor.

Valor é a gente que estabelece, que paga, que cobra. É como o suor, resultado do esforço de quem vai à luta. Tudo é suado, respeitada a proporção e a época vivida. É suado ter quinze anos e viver os medos do desconhecido, é suado tirar dez na prova, passar por média, passar no vestibular, no exame de direção, arrancar o siso, encarar os quarenta, o parto normal, a menopausa, a saudade, a morte, as chegadas e as partidas, criar meninas, manter a fé, os amigos e as contas em dia.

O Ano Novo foi feito justamente pra isso. Pra que a gente possa ter um dia específico, dos 365, em que a esperança dure vinte quatro horas. Vai de meia noite a meia noite. Esperança é recomeço, suor, opção. Então, voltamos à estaca zero. Viu só como eu tinha razão lá no começo desta crônica? Somos todos abençoados. Ganhamos sol e lua todos os dias para nos iluminar. Basta abrir a janela e deixar entrar. Não feche as suas. Use e abuse sem moderação tudo que lhe pertence. E, para encerrar: Fernando Pessoa. "Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura". Feliz Ano Novo.


Andréa Muller

Jornalista

Par perfeito

O que é afinal um par perfeito? Um casamento de 20 anos com amor e respeito? Um marido que conhece você pelo avesso e vice-versa? Ou são as filhas que você planejou colocar no mundo, nasceram de você e serão para sempre seus amores eternos, ainda que hoje elas não sintam o peso que essa relação terá um dia. Só quando somos mãe aprendemos a ser filha. Ou é sua mãe que fez você nascer das entranhas, te cuidou e criou para o mundo dentro dos princípios da civilidade, do amor e da justiça? É sua melhor amiga, aquela que está sempre pronta para te abraçar, te ouvir, te aconselhar? É o seu trabalho onde você fica envolvida no mínimo oito horas por dia? São dois gatinhos recém-nascidos que foram paridos no quartinho dos fundos? É você sozinha tomando uma taça de vinho e assistindo seu musical preferido? É sua massagista que lhe sova feito pão e ainda lhe dá conselhos úteis para a vida toda? É uma filha de coração que o destino colocou no seu caminho para lhe trazer mais amor e crença de que nunca estamos sozinhos? É sua irmã que lhe ouve sempre e parece nunca estar cansada para te ajudar? É seu primeiro namorado que parecia tão perfeito até a hora em que lhe deu um pontapé na bunda? É seu pai que faleceu deixando um grande vazio e uma saudade sem hora marcada? É uma morena que tem grandes problemas mas consegue colocar todos eles nas costas e carregá-los como se fossem pedaços de algodão. Sua face nunca está amargurada e seu cabelo está sempre pintado e escovado. É um cigarro aceso entre seus dedos indicando que você está fora de moda e em extinção? É um e-mail que chega sem pedir licença e te faz refletir? É medo ou coragem, calmaria ou agito? É a beleza anual da orquídea ou a resistência infinita do cactos? É uma viagem de sonhos, um passo certo, um tombo feio, um sofá macio, um incenso de lavanda, um rodízio de massas, uma barra de chocolate alpino, uma risada, luzes no cabelo? É um sapato velho ou um novinho em folha? É um site de relacionamentos bombando de meias verdades e mentiras?

Como diz a Martha Medeiros, de quem sou fã, todo mundo é virgem até que realize seus desejos, como por exemplo, ir a Paris, pular de asa delta, percorrer o caminho de Santiago de Compostela, ver o Papa ao vivo no Vaticano, ganhar no bingo, na loteria, beijar a boca do Gianechini, assistir ao show do Roberto Carlos (fui e achei previsível demais). O par perfeito não pode ser apenas um. Comigo, pelo menos, são tantos.


Andréa Muller

Jornalista

amuller2009@bol.com.br

Nós não temos problemas

Eu resolvi banir da minha vida a palavra problema. Está decretado: de hoje em diante eu não vou mais dizer que tenho problemas. Problema é o que aconteceu no Haiti, em Angra dos Reis, catástrofes. É gente perdendo gente querida sem aviso prévio. É ter uma família e no dia seguinte estar órfã. Isso sim é um problemão. Somente isso não tem solução. Problema é barriga vazia, é filho enveredando por caminhos errados, é doença incurável, é falta de trabalho, é divida impagável.

Todo o resto não pode ser chamado de problema. O congestionamento na volta da maior praia do mundo domingo à tardinha não é problema, a menos que você o torne. Se quiser virar o jogo volte com gente querida, carregue uma garrafinha de água, coloque um bom CD para ouvir ou venha conversando.

Se o supermercado estiver lotado e você é contra filas e povo vá quando estiver quase fechando, provavelmente quando você chegar ao caixa não irá demorar mais do que 10 minutos.

Tem gente que consegue transformar tudo em um problema e tem gente que simplesmente é a solução. Existem pessoas com quem se pode falar do marido a decoração da casa, outras é preciso medir tudo o que é dito por que se corre o risco de ter a vida exposta no balcão do BIG. Tem também aquelas que não sei por que vivem tentando ser uma réplica. Com todas aprende-se. Conheço algumas absolutamente justas, sempre, com tudo, em todas as situações. No trabalho, regras iguais, com os filhos afeto divididos identicamente. Outras são mais fortes do que elas próprias imaginam, capazes de criar os filhos dando tanto de si que são exemplos raros de pais. Maria foi corajosa para romper um casamento que lhe impedia de crescer profissionalmente. Deu a volta por cima, voltou à faculdade, arrumou empregos provisórios, abriu de novo um sorriso largo e conquistou um novo amor. Ainda tem uma longa caminhada. Vai chegar lá porque é boa, tem sexto sentido e tem coragem.

Sheila é especial pelo modo como conduz sua vida. No seu lugar muita gente seria, no mínimo, amargurada, mas essa mulher tem, em todas as vezes que nos vimos o corpo magro dentro de um jeans apertado, os cabelos escovados e a mesma voz de esperança, de quem não desiste jamais.

Minha vizinha era admirável. Às filhas tudo. Nenhum aniversário deixou de ser comemorado com bolo e cachorro-quente. Tratava a minha filha como se sua fosse e ensinou-lhe a comer pão molhadinho no café com leite e na geminha mole do ovo. Tivemos silêncios bons, mensagem entendidas, energias trocadas sem culpa, legítimos favores, confiança. Uma mão lavava a outra. Nós a perdemos em janeiro de 2000 e o infinito ganhou um exemplo de gente que nasceu amando, nunca precisou aprender.

Mire-se nos bons exemplos.


Andréa Muller

jornalista

Mãe por acaso

A faxineira chegou pela primeira vez na minha casa vez desdentada, com a dentadura na bolsa e a desculpa de que machucava. Rápida, parecia uma máquina de limpeza e saiu deixando um rastro cheiroso de pinho-sol. Depois de quinze dias voltou e repetiu a dose, só que dessa vez estava mais bonita, com os dentes e sem dor. Voltou novamente quinze dias depois de batom cor de rosa e me fez uma revelação surpreendente: seu filho faria treze anos no dia seguinte. Ela esbanjava alegria e um grande orgulho. Perguntou onde ficava o prédio da Justiça, pois iria até lá pegar a certidão definitiva da guarda do filho.

A história é a seguinte: ela cuidava de crianças em sua própria casa quando recebeu um bebê de seis meses. Junto com ele a mãe deixou uma bolsa com trapos de roupa, o cordão umbilical e a pulseirinha que os bebês recebem na maternidade. A moleira estava sendo comida pelos piolhos e o pequeno pesava pouco mais de 3 quilos. O médico quando o examinou sugeriu que o menino fosse devolvido, pois dificilmente resistiria. O que poderia ter um final menos digno é de cair o queixo. A faxineira saiu do médico decidida a ser mãe, prometeu curar e salvar o menino e conseguiu.

Sabe-se lá tudo que não passou nesses anos todos. Ela não entrou em detalhes. Mas, pela sua felicidade, tudo valeu à pena. A outra, a mãe biológica, a encontrou na rua e, cara a cara, fez a revelação: ele é seu, sempre foi. Faça os papéis. Ainda bem que o anjo caiu nas mãos certas.

Essa mulher, que é um exemplo raro, me faz pensar sobre a seguinte questão: quando o amor começa? Quando as mães começam a amar seus filhos? Será que esse sentimento inicia-se tão logo o rebento saí do nosso ventre ou quando é cortado o cordão umbilical? Será que é no mesmo instante em que nossos olhos, ainda meio esbugalhados pelo esforço de trazer alguém ao mundo, fitam os dele?

Conheci mães que se extasiaram ao primeiro olhar e conheci outras que esperaram muitos dias até amar. Foram amando aos poucos, com a convivência, através da rotina, depois do primeiro banho, quando cicatrizaram os pontos, quando jogaram no lixo os sutiãs de amamentação. Cada vez que leio nos jornais sobre mães que matam seus bebês, que os largam diante de portas e becos quaisquer, não sou capaz de julgá-las nem de culpá-las. Sinto apenas vontade de entendê-las.


Andréa Muller

Jornalista

Gestão por todos os lados

Nos escritórios pratica-se a gestão de resultado. São planilhas e planilhas de Excel que vão monitorando os objetivos, as metas, indicadores a serem acompanhados, linhas de tendência, desvios do negócio, mudanças de cenário. O que fazer, como e em que tempo para atingir os resultados esperados? Reuniões de alinhamento, propostas assertivas. Quando precisamos apresentar uma nova idéia a embalamos num caprichado Power Point, cheio de gráficos coloridos. E em nossa casa e com nossos amores como procedemos? Arrisco e, acho que não erro, que em nossa vida pessoal o papo é outro.

Duvido que alguém tenha como meta beijar o marido trinta vezes por semana, dizer eu te amo sete dias por semana, elogiar o amado dia sim dia não, ligar para os pais ao menos uma vez por semana, abraçar os filhos todos os dias e beijá-los, sempre, antes de dormirem e quando descerem do carro, dedicar dez minutos sagrados ao ócio, tomar um banho de banheira pelo menos uma vez por mês, ler nove livros e assistir a seis filmes por ano. Mas garanto que tirar o lixo do banheiro diariamente, descongelar a geladeira de quinze em quinze dias, trocar as toalhas e os lençóis as sextas-feiras a maioria nunca esquece.

Que tipo de amor damos e recebemos? É a vida que nos leva ou nós estamos no comando? É justo? Estamos felizes? Está dando resultado? É um prazer chegar em casa? Os naufrágios do coração podem estar sendo sejam impelidos por essa falta de planejamento amoroso. Deixamos que o barco siga a correnteza e não planejamos o destino final. E, sem meta não chegamos a lugar nenhum. Deixa a vida me levar é ótimo na canção do Zeca Pagodinho, é maravilhoso por um mês, uma estação, um porre. A vida toda convenhamos não dá.

Cenários adversos não existem só no trabalho, na vida normal também. É a empregada que fica grávida, o filho que quebra a perna no jogo de futebol, a chuva que detona o telhado, o reboco que cai, o mecânico que não acerta, a porta que empena, o pedreiro que marca e não aparece, o suco que derrama na toalha branca, a taça quebrada que desfaz aquele conjunto caro.

Precisamos é praticar a mesma elegância do comportamento que praticamos nos escritórios. Lá, precisamos pedir com delicadeza, dar bom dia a todos, retrabalho fazemos com mais afinco ainda porque nesse ambiente cara feia pode gerar conseqüências desagradáveis. E em casa o que acontece com cara feia?


Andréa Muller

Jornalista

Dores da alma

Sentir dor em algum momento da vida é inevitável. Dor de cabeça, dor de ouvido, dor de dente, dor pós operatória, cólica, dor de coisas mais graves, acidentais. Essas dores doem, e muito. Mas, para a grande maioria, a medicina tem um remédio. Pode ser que custe uma fortuna, é provável que o SUS não dê de graça e o doente não tenha dinheiro para comprar. Normal. Em nosso país a distribuição da riqueza está muito longe de ser a ideal. Mas é também na dor que as pessoas são mais solidárias. Aliás, a solidariedade está crescendo a passos largos. Existem muitas ONGs que visam ajudar o próximo no que diz respeito à saúde, alimentação, inclusão social, formação profissional, educação ambiental. Recebi de uma ONG que eu admiro muito um cartão de Natal com uma frase linda de Lama Padma Santen que dizia: "praticando amor e compaixão, você ficará inundado de alegria e energia e saberá que este é o sentido da vida, que isto é felicidade e equilibro". Fiquei com vontade de ser voluntária já.


Não tenho nesse instante nenhuma dor física, já tive algumas. Mas tenho seguidamente dores na alma. Quem jura que não tem mente feio. Elas aparecem quando a gente menos espera, não mandam aviso prévio, não aparecem em nenhum raio-X, ecografia, cintilografia ou sofisticados aparelhos. Às vezes, elas doem muito, mas passam rápido como as chuvas de verão, outras vezes ficam fincando como unhas encravadas. Elas também não escolhem dia nem hora. Chegam de grandes amigos, e eles não deixam de ser grandes porque nos provocam dor. Podem surgir na hora do almoço ou em algum telefonema. É muito comum aparecerem em reuniões de família, quando pais, filhos e irmãos falam sempre mais do deveriam. Será que falam mais ou as verdades ditas são indigestas?


A maioria das dores da alma começa, inevitavelmente, pela boca. São palavras. Mas podem vir, também, através da ação, reação ou do silêncio. É fácil achar soluções para os problemas alheios. Palpite é livre e todo mundo dá, de graça. Só que uns servem como uma luva e funcionam mais do que energéticos, enquanto outros são feitos sob medida para virar a gota d'agua. E, o limite da gota d'gua é tão variável de gente pra gente que pode virar um tsumani. Por isso, vamos aprender a fazer como vovó dizia: contar carneirinhos e refletir demoradamente sobre o que ouvimos de boca calada, pelo menos no primeiro instante.


Andréa Muller

Jornalista

11/11/09

Expectativa

A expectativa é um alimento que pode ser saudável ou venenoso, dependendo da dose e do momento. Viver sem expectativa é desolador, triste, sem cor, esmaecido, sem aroma, sem nada. É como levar a vida sem lenço nem documento. O contrário é muito mais emocionante, colorido, esperançoso, parece mais real e concreto. Mas, também, pode ser frustrante, em muitos casos.

Esperamos ganhar na loteria, esperamos e-mails, telefonemas, flores, palavras ditas na hora certa, o presente almejado, o reconhecimento. Esperamos passar na prova, emagrecer cinco quilos, acabar com a celulite, esperamos que nossos filhos cresçam longe dos aborrecimentos, que sejam sempre protegidos, que nossos pais não nos deixem, que faça sol. Esperamos que a alma sossegue, que o amor aconteça, que o coração acelere.

É fato, passamos a vida esperando. A diferença é que tem gente que, mesmo esperando, realiza, está sempre fazendo acontecer, é ligado na tomada, não se queixa. Recebe tudo com delicadeza e afeto, acompanhado de um muito obrigado. Não precisam ser içados do fundo do poço, não se afogam nem se chafurdam na lama.

E há os que esperam atrapalhados que as coisas aconteçam. Parece que para esses coitados os dias tem mais do que vinte e quatro horas porque esperam muito, por muito tempo. São lentos nas decisões, nas emoções. Ficam de freio de mão puxado, mobilizados.

Nenhum dia é igual ao outro por mais que possa parecer. Nós também somos diferentes. Às vezes radiantes, na maioria das vezes normais como sempre, sonhadores, perplexos, atônicos, angustiados, felizes, infelizes. Nossa pilha também fica fraca e precisa ser recarregada. O difícil é compreender o fio que nos une ao bem estar. Tem dias que ele é tão curto que parece incapaz de nos unir a nada. Em outros momentos é tão longo e elástico que pode circular o planeta, puxando os tontos e os afogados do caminho.

As bocas de nossas mães, avós, amigas e até da manicure sempre dizem que tudo vem na hora certa. O problema é conseguir acatar essa sentença porque o que queremos, mesmo, é que à hora certa seja agora, nesse minutinho, neste restinho de dia que ainda temos pela frente. Convenhamos, é melhor dormir com as expectativas realizadas. Talvez para esses dias em que estamos de farol baixo, pilha fraca e elástico arrebentado tenha sido criada a paciência, o lexotan, a preguiça, a cama macia. Benditos sejam! Que acabe esse dia de uma vez.

Andréa Muller

Jornalista

Chororô

Não sei o que me aconteceu do dia 31 de janeiro para cá. Abriu-se em mim uma emoção tão a flor da pele que estou espantada e chorona. Desatei a chorar por qualquer coisa, pelo que de bom e de ruim aconteceu e até pelo que ainda está por vir e eu nem sei o que é. Melancolia braba mesmo. Naquelas que grudam na pele feito tatuagem e não dizem a que vieram, instalam-se sorrateiramente e ficam como esmalte vermelho que acetona nenhuma consegue remover. Fazer o que? Não tenho feito nada. Tenho chorado rios, lagos, mares inteiros. Quando penso que a tempestade acabou falo com a cunhada pelo telefone e caio em prantos; encontro uma amiga querida e no meio daquele abraço cheio de saudade caio eu, de novo, no chororô. Aliás, já entrei recinto adentro avisando que estava mais pra choro do que para riso.

Aconteceu alguma coisa que justifique tamanha emoção? Aparentemente e conscientemente não. Tudo está na sua ordem natural, mas sinto um tsunami interno querendo serenar, uma asa delta querendo pousar, uma sensação de peito vazio, cabeça oca e coração doido. Não tenho febre, mas meu corpo arde, não tenho anemia, mas sinto uma fraqueza de afrouxar as pernas, o corpo, as lágrimas, então.

Entrei 2010 na beira do mar, sentindo um friozinho danado que o termômetro não me deixava mentir: 18°C. Nunca me senti tão sozinha com tanta gente em volta. Rostos e mais rostos absurdamente nada compatíveis com o meu. Nenhum laço de amizade nem de sangue. Não gostei nem um pouco de ser a ovelha negra em um dia que é determinado para se passar com o familião. Embora eu estivesse com a parte mais doce, querida e preciosa da minha família faltavam outros, muitos outros corpos que eu conheço desde muito tempo para serem abraçados esfuziantemente quando as doze badaladas anunciaram o Ano Novo. Paciência, calma e chororô estiveram comigo e ainda estão. Depressão, TPM, melancolia de Ano Novo. Não sei explicar essa força que me leva a desaguar. Mas, como quando não estou chorando estou rindo acredito, e me agarro a isso, que é um bom sinal. Acho que estou limpando a alma. Não é nessa época do ano que se faz faxina grossa, com clorofina e produtos antimofo? Não é justo nessa época a lavagem das escadarias da igreja Nossa Senhora do Bonfim? Nascemos com esse instrumento pequeno - os furinhos por onde saem às lágrimas e o coração que as empurra. Por que não usar?

Andréa Muller

Jornalista

Aula de ioga

Maria está com problemas no casamento. Seguir no mesmo ninho, que já não lhe parece tão confortável, ou construir outro é seu atual dilema. Na aula de ioga a professora anuncia que será dedicada ao casamento. Fitando bem fundo nos olhos de Maria começa dizendo que não adianta trocar de marido, pois a gente acaba carregando sempre os mesmos problemas. Salienta a importância da harmonia familiar e profetiza que quem não comanda em casa não comanda em lugar algum.

A meditação inicial pede que todos relaxem, relaxem e relaxem. A professora fala do amor e pede aos alunos que imaginem seu amor ideal envolto em uma grande bolha. Boa viagem diz a voz suave da intérprete do CD que segue mais uns dez minutos falando da harmonia, da importância e da perseverança necessária para se manter um casamento. Há que se querer e se esforçar muito para isso. Na posição de lótus ela pede que cada aluno visualize a sua frente seu companheiro, com um coração no formato de uma grande gruta cor de rosa e que essa mesma imagem seja imaginada sobre o nosso coração. Logo, estão frente a frente dois corações em formato de gruta cor-de-rosa. Dentro dos dois há uma linda rosa e cada um entrega essa flor ao outro. Ao final, um mantra tibetano muito antigo que evoca a intuição é entoado impedindo a entrada de energias negativas. Maria acredita que aquela aula era pra ela. Ninguém mais precisaria estar ali. Era um sinal de que valeria a pena continuar naquele ninho. Ela chega em casa com o coração cor-de-rosa e planeja uma noite da cor vermelha. Mas, uma discussão acalorada com o marido, que ela imaginou também estar com o coração em formato de gruta cor de rosa, a faz cair em pranto. Depois da briga um silêncio mortal. A cama é o maior termômetro do tamanho da desavença. Quando ambos viram-se de lado, evitam se mexer, seguram a respiração e não dizem nem boa noite, a coisa tá feia. É, a vida não é uma aula de ioga. Melhor aprender outra lição. No dia seguinte novo silêncio. Maria esperou a manhã inteira por um buquê de rosas com um bilhete de desculpas. Nada veio. Na hora do almoço Maria está decidida: irá dar um beijo apaixonado no seu amado e dizer que existem dois caminhos: ser feliz ou brigar. Fez isso e recebeu o beijo de volta, mas ouviu, também, que brigas fazem parte. É como comer, comer e nunca ir ao banheiro. Nunca ouvi nada mais lindo para ser dito em um momento de reconciliação. Mário Quintana deve estar se revirando. São as sutis diferenças entre o sexo feminino e o masculino. Talvez por isso haja um livro chamado "Homens são de Marte, mulheres são de Vênus".


Andréa Muller

jornalista

Vida moderna

Li na imprensa que a Internet comemorou 40 anos dia 29 de outubro. Mas, pra valer mesmo, acho que ela se incorporou na vida da gente há menos tempo, mas já é indispensável. Quem ainda recebe cartões postais e cartas escritas em papel de seda? Eu mantenho uma caixa de sapato, forrada de papel, já velhinha, com cartas que troquei com gente querida e distante. Algumas escritas a mão, outras com máquina de escrever eletrônica. Era um luxo aquelas Olivetti com corretivo. A gurizada não tem noção do que seja uma máquina de escrever elétrica e selos. Só quem têm pais saudosistas guarda essas relíquias. Não é o meu caso, eu guardo poucas. Minhas lembranças afetivas estão todas impregnadas na minha pele. As fotografias eram um acontecimento. Mandar revelar e esperar três dias para ver. Hoje, as máquinas digitais tiram fotos que raramente vemos ou compartilhamos, não estão ao alcance da mão, não recheiam aquele baú de recordações.


Não estou me queixando, de jeito nenhum. A vida é dinâmica. Gosto de hoje tanto quanto gostava de ontem. É apenas diferente e, como tudo, tem dois lados.


Outra coisa maluca é ir ao supermercado. É um programa de proporções imprevisíveis. Não dá pra dizer vou ao super e volto já. Não se volta. É mentira. A oferta de produtos é tão grande que enjoa. É olha que sou consumista. Xampu para cabelos lisos, crespos, normais, secos, cacheados, loiros, pretos, com sal, sem sal, para dar ou tirar volume, para realçar luzes. Sabão em pó então, para roupas brancas, coloridas, com perfume de lavanda, de lírios, de jasmim, de coco, com amaciante. Já foi mais fácil. Havia duas marcas de sabão em pó, o Omo e o outro, mais barato. Moleza. Quando o dinheiro estava sobrando pegava-se o caro, em tempo de vacas magras se pegava o outro.


Hoje é preciso parar em cada corredor e ficar horas escolhendo a marca, o preço e o princípio ativo. O que se quer é a roupa limpa, que o que é branco fique branco e o que é colorido se mantenha. Simples. E o álcool então, agora existe em gel e pasmem: fui queimar uns carrapatos (nessa época eles invadem os pátios e nossos cãezinhos) num potinho com álcool e atirei um fósforo, dois, três e nada de pegar fogo. Peguei o rótulo e bem pequenininho estava escrito: impróprio para queima. Álcool serve para quê senão limpar vidros e queimar? Uma das poucas coisas ainda agradáveis de comprar é o leite condensado. São no máximo quatro opções.


Cachorros a gente também conhecia poucos. Era vira-lata, buldogue, pequinês e ponto final. Presente de quinze anos? Os pais davam a primeira jóia, um anel do tipo solitário ou chuveirinho de brilhantes, as madrinhas aquela caixinha porta-jóias com a bailarina rodopiando ao som de Pour Elise. Alguns porta-retratos, o primeiro perfume francês e era isso. Hoje, não me atrevo nem a comentar.





Andréa Muller

Jornalista

Sempre aprendiz

Sou convicta de que a gente aprende todos os dias com qualquer pessoa, amiga íntima, colega de trabalho, caixa do supermercado, flanelinha, vizinho, filhos, pais, marido. Basta estar aberto e atento. Eu peco um pouco nesse ponto. Não que eu seja uma mongolona, não é isso, mas às vezes sou ingênua. A lança está apontada para mim e eu acho que não. Mas, quem tem amigos tem tudo. E eu tenho os imprescindíveis. Minha amiga observadora como uma águia sempre consegue me abrir os olhos e me salvar de ser devorada. Convivo com outra que, não sabe, mas é fisioterapeuta e das boas. Consegue colocar meu corpo e minha alma de pé depois de qualquer tormenta.

Eu acho que falo pouco para a minha mãe as coisas importantes que ela me ensinou e, também, as lacunas imensas que ela deixou. Mas, nossas expectativas jamais serão vencidas. Eu trago isso bem claro comigo e, por enquanto, tem evitado que os tombos tenham conseqüências mais graves. Já parei na UTI, mas foram bem poucas vezes e as seqüelas são quase imperceptíveis. Nessas horas, sempre tive muitas mãos estendidas.

Mas, voltando à mamãe. Era bonitinho antigamente quando os filhos chamavam assim seus papais. Hoje, conta-se nos dedos quem ainda fala desse jeito. Parece tão burocrático. No meio de tantas ausências, como por exemplo, nas reuniões de escola porque minha mãe trabalhava duro para manter uma família de classe média com quatro filhos que estudaram somente em escolas públicas; passavam roupas uns para os outros e comiam mais guisado do que filé mignon, criou-se uma saudável independência antes da hora. Hoje salve salve, pois ela vale milhões.

Mas, são inesquecíveis aqueles domingos, em que ficávamos todos juntos mais os agregados para comer arroz com galinha feito na panela de ferro. Aliás, casa sem agregados não é casa de mãe que se preze.

As ausências podem virar traumas e levar jovens a praticarem bobagens, mas somente a ausência total. Quando ela é parcial e bem fundamentada, tende a levar as pessoas à luta, a independência, ao se vira nos trinta. Tenho duas filhas do coração que perderam pai e mãe abruptamente antes da hora. Poderiam ter se perdido na vida, mas, ao contrário, viraram doçuras de pessoas, empenhadas em fazer o bem, em ter um final feliz. Nunca as vejo se queixarem. Eu, burra velha, às vezes sou puxada por elas que enxergam solução para tudo.

Isso me leva a pensar que várias coisas conspiram para que sejamos seres humanos saudáveis. Ocorre-me agora que ser amado, ter um porto seguro, ouvir os mais velhos, levar puxões de orelha na hora certa, perseguir a paz, ter a consciência tranqüila e seguir os dez mandamentos são um bom começo.


17/11/09

Otimismo faz bem

Não me atrevo a competir com jornalistas esportivos, mas vou dar um pitaco no Rio 2016. É uma vitória para o Brasil que o Rio de Janeiro tenha vencido a competição para sediar os próximos jogos olímpicos. Mas é uma vitória maior ainda para os brasileiros bairristas e otimistas, aqueles de coração verde e amarelo. Falo de gente humana, empolgada e vibrante. Aquela porção que faz muito com pouco, que chora até mesmo vendo o Caldeirão do Huck. Aqueles que mantêm os pés no chão mas o coração não se cansa de sonhar. É essa gente que dá cor ao mundo e que, certamente, irá pintar sua cara com as cores da bandeira no dia deste grande evento. Pintarão um mês antes, de véspera. Aliás, já estão pintados porque a comemoração já começou. Ela teve início no exato instante do anúncio dessa vitória. Começou com o discurso do presidente da república, com os abraços dos executivos engravatados que estavam lá, ao vivo. Tão ao vivo quanto eles, milhões de telespectadores também se abraçaram e vibraram com a notícia espalhada instantaneamente por todas as mídias. Os otimistas, é claro. É deles que estou falando. É deles de quem sou fã. É com eles que quero estar em 2016.

Esqueça a pobreza, as drogas, os assaltos, a falta de saúde pública, a má remuneração dos professores, a miséria, a falta de saneamento básico, a poluição, a camada de ozônio. Deixe de lado a preocupação com o aluguel, com o carnê das lojas Renner, o cartão hipercard que vence dia vinte e cinco. Essas grandes e importantes questões ainda serão problema em 2016, independente da realização das Olimpíadas no Brasil.

Os pessimistas tentarão convencê-lo, a todo o custo, de que não realizar os Jogos Olímpicos no Brasil poderia resolver todos esses problemas. Não é verdade. O evento não pode ser responsabilizado pela solução ou não dos problemas do nosso país. O mundo ideal depende muito de cada um de nós. Não virá do céu e vai precisar de muito empenho e de bons exemplos. Uma competição olímpica é, sem dúvida, um exemplo generoso. É uma prova real de que esforço combinado com anos de treinamento é indispensável para que um atleta esteja finalmente pronto para competir e lutar por suas medalhas.

Ah! E, os pessimistas deveriam fazer uma reflexão ou um exercício de futurologia. Se ficassem ricos da noite para o dia, ganhando na mega sena, será que deixariam de ser o que são? Tenho minhas dúvidas.


Andréa Muller

Jornalista

Mães vivem mais

Eu sou mãe. Nenhuma veio com manual de instruções e eu penei para decifrar cada sinal até que elas finalmente aprenderam a falar. Mas valeram todos os medos, angústias, erros e acertos. As noites em claro não! Essas não valeram nada. Um dos grandes defeitos dos bebês é que eles não gastam a pilha. Se o ditado "filhos crescidos trabalho dobrado" está certo, ainda tenho muito chão pela frente. Ser mãe ensina muitas coisas. Eu passei a valorizar mais a minha. Aprendi, também, que mães fazem tudo para acertar e quase nunca conseguem. Mães, também, vivem em dobro, triplo e assim por diante, dependendo do tamanho da sua prole. Que mãe não revive seus próprios momentos quando as filhas entram para a escola, terminam a primeira série, ficam mocinhas, perdem os dentes, enchem a cara de espinhas, pintam as unhas pela primeira vez? Se existe um jeito da gente viver mais a receita é ser mãe.

Tento convencer algumas amigas de que ter um filho só é pouco, que o segundo é muito mais fácil, em todos os sentidos. Eu tinha uma filha e não pensava em ter outra, de jeito nenhum! Fui doando as roupinhas a cada centímetro que a menina esticava. Guardar para o outro? Que outro? Nem pensar! Eu seria mãe de uma só. Quando a minha primogênita; minha filha única; milha mais velha; meu bebê estava com exatos seis anos, rumo à independência, eis que a cegonha bateu em minha porta. Sem enjôos, desejos ou aviso prévio eu estava grávida de três meses. Fiz o teste de gravidez (aqueles de farmácia) e quase não acreditei quando o resultado foi positivo. Demorei quase um mês para assimilar que eu seria mãe de dois filhos, que toda vez que preenchesse um cadastro, sempre que perguntassem tem filhos? Minha resposta seria sim. E quando viesse a pergunta seguinte: quantos? Minha resposta seria: duas.

O fato é que o segundo filho é simplesmente maravilhoso, é o avesso da primeira experiência. Aliás, o primeiro é um estágio, o segundo é, realmente, a aplicação do que se aprendeu com o primeiro.

Engordei a metade, entrei e sai da maternidade de batom, nunca fui ao berço ver se a minha segundinha, meu bebê, meu docinho, estava respirando, não usei termômetro na água do banho, não olhei atravessada para ninguém que quis pegá-la no colo, não lavei as mãos milhares de vezes antes de tocá-la e não fervi nenhum bico ou mamadeira até derreter. Encontrei o significado de dar o peito. Ainda sou mãe de duas. Não pense que a segunda morreu por infecção.


Andréa Muller

Jornalista

Intoxicante luz natural

Era um sábado qualquer, noite preta, e eu estava pulando de canal com um eficiente aparelho de ginástica dos novos tempos: o controle remoto. Parei, por volta de 1h da manhã, em uma entrevista com Carla Camurati. Fazia tempos que eu não via essa atriz. Loira, magra, de olhos azuis profundos ela conversou com uma repórter por um longo tempo sentada nas escadarias do Teatro Municipal, do Rio de Janeiro. Como ela falava muito e apaixonadamente não consegui seguir fazendo minha musculação com o controle remoto. Parei no programa e fiquei até o fim.

Eu sabia que ela era atriz e também cineasta. Mas aquela mulher que eu vi na entrevista, nascida em 1960, tinha algo invejável. Ela acabou de assumir a direção do Teatro onde estava sentada, tem planos ambiciosos de restauração para o centenário símbolo da cultura carioca, já levou crianças para assistirem ópera, tem um filho de cinco anos e já tem uma biografia publicada. Quando ouvi a repórter dizer isso pensei: biografia de Carla Camurati? Nunca ouvi falar. Fui ao Google (que coisa mais útil) e bingo! Carla Camurati - Luz Natural foi escrita pelo crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos, a partir de depoimentos da biografada. Com 311 páginas foi lançado pela Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Como destaca o autor na apresentação do livro, Carla é ao mesmo tempo muitas mulheres e uma só: livre, instintiva, desafetada.

Fiquei hipnotizada. Admiro pessoas de carne e osso bem resolvidas, donas de si, aquelas que chegam chegando e não saindo. São brilhantes sem purpurina, são expansivas tomando coca zero. Gente que sabe se carregar, que já nasceu com um fio de nylon puxando sua coluna.

Quando a repórter perguntou se ela estava realizada e o que ainda estava faltando na sua vida a danada não vacilou. Carla respondeu com um sonoro e sincero nada. Estou no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas, fazendo o que mais gosto. Isso não é golpe baixo, é golpe alto. Chega a ser intoxicante estar diante de alguém tão vivo.

Eu gostaria que esses seres especiais se multiplicassem. Ainda bem que alguns são públicos e palpáveis. A gente pode ler, assistir seus filmes, sorver com gratidão sua poesia, ouvir suas melodias. E, se eu pudesse, levaria todos para morar no meu quarteirão. Assim, quando a noite chegasse a rua seria a mais movimentada do pedaço.

Fabrício Carpinejar, escritor e vencedor do Prêmio Jabuti deste ano diz o seguinte sobre seu projeto de vida para a próxima década. "Não lembrar que sou feliz para procurar mais felicidade em mim". É isso ai.




Andréa Muller



Formatura

Vou ter que dar um puxão de orelhas bem grandão em uma pessoa que eu nem conheço, mas já gosto por tabela. O pouco que sei é suficiente. Ela tem 57 anos, cinco filhos, três netos, trinta e dois anos de magistério e nesse mês vai se formar em pedagogia. Colocar cinco filhos no mundo já mereceria entrar para o livro dos recordes. Imagine cinco barrigas, cinco partos, cinco filhos para amar e educar. Só essa tarefa já consome energia suficiente para iluminar a avenida principal da praia do Cassino.

Mas, essa mulher com M maiúsculo que eu nem sei o nome está desdenhando a si mesma. Sabe o que ela vem dizendo para os filhos sobre a sua formatura? Que é um atestado de burrice e que já passou da sua época. Usando essa desculpa ela não quer celebrar o acontecimento como convém, não quer convidar quase ninguém, não está preocupada com a roupa que irá usar e andou pensando em pegar um vestidinho preto emprestado da filha.

A filha, uma jovem de cabeça feita, cheia de vitalidade e centrada na medida não se conteve. Nessa hora os papéis se inverteram. Filha virou mãe e mãe virou filha. Vestido preto, mãe? Onde já se viu uma coisa dessas! É a tua formatura.

A cena me lembra a filha que faz quinze anos e não quer festa, prefere uma viagem ou um notebook, deixando a mãe frustrada. Nesse caso a frustração é dos filhos.

O que essa mulher não sabe é que ela é um grande exemplo. Não é a toa que os filhos estão tão mobilizados e preocupados com ela. Eles reconhecem o valor dessa mãe, reconhecem o esforço que ela fez para esperar os tempos certos da sua vida: o tempo de ser mãe e o tempo de ser ela. E voltar a estudar é a prova de que ela não se perdeu de si mesma. E na medida em que essa mãe não se perdeu de si mesma ela ensinou seus filhos por tabela, pelo exemplo. Se a mãe pode, se a mãe faz, nós também podemos e devemos seguir seu exemplo. É um ganho indireto, é um exemplo escondido.

Mas e agora? Por que esse boicote com a formatura? Ah! Ela também disse o seguinte: eu sou a mais velha da turma. Esse seu piti todo é coisa da idade, perfeitamente justificável. Você é ainda tão jovem de alma que continua com os mesmos medos de adolescente.

Minha estimada formanda, compre um vestido lindo, convide seus melhores afetos e comemore. Você é uma vencedora absurdamente sortuda. Mais uma coisinha bem pequenininha: não me odeie por essa crônica e não mate sua filha por ela ter me contado sua história.


Andréa Muller

jornalista

Chutar o balde

Estive em férias por vinte dias, a maior delícia. Aproveitei tanto que pela primeira vez na minha vida as férias pareceram maiores. Uma amigona, mãe de gêmeos – os mais lindos que eu já vi – me deu um livro de presente tão sensacional que virou minha inspiração para essa volta ao mundo real. Agora, definitivamente, depois do Ano Novo, férias, carnaval, fim do horário de verão e volta às aulas é que a vida com rotina recomeça.

"Caderno de rabiscos para adultos que querem chutar o balde" foi publicado originalmente na França em 1977 e lançado no Brasil vinte anos depois. Ele é fininho, totalmente ilustrado e cheio de boas intenções para quem resolver não se sabotar mais e viver a vida que definitivamente está nos seus sonhos, no seu coração. O livro me faz lembrar um passaporte (a capa é verde claro) cujo destino é uma prazerosa viagem rumo à felicidade. Prepare-se porque é muito mais difícil do que se imagina.

De cara você tem que encarar sua própria identidade e preencher sobrenome, nome, data e assinar. Em seguida você deve responder a duas perguntinhas básicas: estou decidido a largar: e resolvi não ir mais:

Depois páginas e mais páginas ilustradas. Liberte-se arrebente os grilhões e largue esse peso que você carrega. A ilustração é genial, duas pernas acorrentadas e o espaço para você colar a foto do carrasco que amarra você. Na página oposta está a planta baixa de uma residência e a dica para que você coloque cada um em seu devido lugar e delimite seu espaço. Virando a páginas dez sanguessugas lindamente ilustradas, cuja ordem é: livre-se das suas. Você pode colorir todas de vermelho e dar um apelido a cada uma.

As páginas não são numeradas e eu também não quis contar. A ilustração de uma imensa concha sugere: tire o celular do ouvido, encoste a cabeça na página e ouça o chamado do mar... Você não está só! Desenhe seus companheiros que também remam contra a maré. Chega de remar, levante as velas. Essa é ótima! O desenho de três sarnas aconselha: desenhe outras sarnas e sacuda a página. Está a fim de ser despedido? Leve o caderno para a próxima reunião, abra na página que tem quatro abobrinhas e comece a pintá-las. Ou então abra a página com o desenho de uma nota de cem reais. Pinte igualzinho a verdadeira, recorte e coloque a grana na carteira. Vontade de descontar a raiva? Mande o estagiário xerocar esta página (está em branco). Um ótimo presente, uma leitura capaz de revirar seus conceitos e colocá-lo finalmente em 2010, de cuca fresca.



Andréa Muller

jornalista

Banho

Banho é uma delícia para a maioria das pessoas, com exceção de algumas fases da infância e da melhor idade. Quando eu tinha uns nove anos, não lembro bem, eu fugia do banho como o diabo foge da cruz. Eu não gostava e pronto. Achava uma perda de tempo. Hoje em dia não vejo as mães se queixaram desse mal. Meu pai, quando foi ficando mais velho também ludibriava o banho. Ele mesmo contava que, às vezes, a coisa era bi-semanal. As crianças melhoraram, mas os velhos sei não. Dia desses, minha mãe, uma setentona cheia de atitude e charme, revelou-me que o banho já não tinha mais lá esses prazeres.

Mas porque afinal as mulheres demoram tanto no banho? Imaginem a cena: chuveiro ligado, água muito quente jorrando e inicia-se o ritual, nesta ordem: nos primeiros minutos a água simplesmente escorre feito cachoeira e os pensamentos voam com andorinhas. Na sequência, entram o xampu e o condicionador. Logo depois a bucha vegetal embebecida em um sabonete líquido esfoliante percorre o corpo todo, em algumas partes a esfregação é tanta que parece faxina. Em seguida um sabonete líquido específico para as partes íntimas, depois um sabonetinho especial para o rosto, uma passadinha de pedra pomes nos pés e antes de acabar um óleo corporal com microparticulas de ouro, cujo maior benefício é fazer a toalha escorregar e engraxar o piso do boxe para a coitada da empregada. A essa altura, o relógio já andou, no mínimo, quinze minutos e o bafão que se formou já deve estar saindo por baixo da porta. Por pouco os vizinhos não chamam os bombeiros. Quando a porta é aberta o ar fresco vindo do lado de fora avisa: banho encerrado. Errado, não acabou ainda. Falta uma subidinha na balança, desodorante que não provoque manchas, escovar os dentes, passar um protetor solar no rosto e escolher o modelito. Esse ritual é uma verdadeira academia. Por que ninguém emagrece quando toma banho? A verdade é que banho não é apenas banho. É uma espécie de terapia que permite a todos ficar sozinho por alguns bons minutos. Lava-se a alma.


Andréa Muller

Jornalista

Para se lembrar a vida inteira

Para se lembrar a vida inteira, essa pequena frase me saltou aos olhos lendo o jornal. Escrevi-a no meu livro de intenções – um pequeno caderno aonde vou guardando recortes de jornal, sinopses de livros que quero ler, filmes que quero ver, projetos que pretendo realizar, desenhos e cartões recebidos, dicas de bons fornecedores, perfumes, sites que valem a visita etc.

O que eu gostaria de lembrar a vida inteira? Que tive pais amorosos, que eles deram bastante duro, me ensinaram o que sabiam, me abriram os olhos, me deram segurança para voltar sempre para casa, criaram um porto seguro com endereço fixo. Ensinaram-me que férias são sagradas e devem ser algo que faça você sair da rotina, por isso devem ser aproveitadas longe de casa, nem que seja no camping mais próximo.

Eu quero lembrar a vida inteira que morei no bairro Bonfim, que aos nove anos vendia revistinhas usadas na beira da calçada e que as outras crianças compravam. Que eu dava voltas e mais voltas de bicicleta no quarteirão falando sozinha, que eu me apaixonei por um vizinho e quando ele passava meu coração parecia que ia saltar pela boca. Eu quero lembrar a vida inteira que fui para a faculdade durante muitos anos de carona com um senhor chamado Alfredo que tinha um fusca verde, era representante de Laboratório e pegava três jovens estudantes de jornalismo, psicologia e arquitetura todos os dias da semana na curva da rodoviária. Eu nunca quero esquecer que vendi brigadeiros durante dois anos na faculdade e que com aquele troco eu pagava meu próprio cinema e minha cuba libra no bar Pecados Mortais no Menino Deus, em Porto Alegre.

Eu quero lembrar a vida inteira que Garopaba foi uma linda vila de pescadores, onde se comprava peixe saído direto do barco, ainda vivo. Eu quero lembrar a vida inteira que acreditei em Papai Noel; comparei meu ninho de páscoa com os das minhas irmãs e contei cada ovinho para saber se a divisão era justa e sempre era. Eu quero lembrar a vida inteira que recebi uma surra tão grande que fiz xixi nas calças porque comecei um caderno novo antes de terminar o velho. Eu quero lembrar a vida inteira que o especial do Roberto Carlos era um espetáculo tão grande que a família toda sentava à sala para assistir como se estivéssemos no teatro e que todos os domingos o almoço na casa da mãe era um inesquecível arroz com galinha feito na panela de ferro.

Eu nunca quero esquecer que minha tia Wilda me pagava dez centavos por cada fio de cabelo branco que eu arrancava dela e que essa tarefa me ocupava deliciosas horas ao som da música de Vanusa Nas manhãs de setembro. Eu quero lembrar para sempre do meu cachorro piti, malhado de branco e bege. Eu nunca quero esquecer as mãos do meu pai nem o sorriso da minha mãe, nem dos abraços que dei.


Andréa Muller

jornalista

Seu paraiso

Crie seu paraíso pessoal. Invista em você algumas grandes horas do dia, da semana, do mês, do ano. Presenteie a si mesmo sem culpa. Não ligue para o que os outros vão falar. Faça com tanta vontade que acabará ganhando seguidores. Pode ser qualquer coisa. Se lambuzar chupando uma lata de leite condensado no bico, pedir uma pizza de branquinho e comer sozinha, deitar na rede e contar estrelas, beber uma taça de vinho, uma cerveja, uma cuba libra, uma virgem, um suco de abacaxi com hortelã bem enfeitado, como se você estivesse no Caribe, em um restaurante caríssimo. Você merece. Todo mundo merece um minutinho Marisa. Lembra da propaganda? É um tempo seu, para repor suas energias.

Crie um cantinho de meditação, tenha um jardim do qual se orgulhe imensamente. Pinte uma parede de vermelho pimenta, rosa chicle, roxo, azul jeans. Algo tipo made in Brasil particular, feito por você para você. Made in Joana, made in Maria, made in Vicente. Você merece.

A vida é uma passagem feita de instantes. Segundos é tempo suficiente para mudar tudo a nossa volta. Essa constatação nos é jogada na cara todos os dias, basta assistir aos noticiários. As mudanças estão à espreita, esperando a hora que o destino escolher. Não estou agourando a vida de ninguém, longe disso. Mas, estou cutucando que é para ver se a gente acorda para viver no paraíso enquanto pode. Conheci uma senhora que aos noventa anos era a visão da felicidade. Quando lhe perguntei seu segredo ela disse sem pensar. Vivi tudo com paixão e hoje me alimento desse estoque de bons momentos.

As chuvas não foram inofensivas, ao contrário, deixaram rastros de destruição. A moça ia de um trabalho para o outro quando um muro lhe caiu por cima, deixando um luto só. A excursão vinha do Natal Luz em Gramado e despencou em um barranco. O telhado da igreja caiu, o raio matou o agricultor. Meu carro teve perda total estacionado em frente ao meu trabalho.

A vizinha não apanhou calada do marido. Ela gritou por socorro. É duro acreditar, mas estatísticas mostram que, uma em cada cinco brasileiras, já foi agredida por um homem. Descobri que alguns casamentos que eu julgava exemplos têm seu lado estragado. Os maridos, doçuras com o povo em geral, em casa verdadeiros cavalinhos. A recíproca também é verdadeira.

Não permita, em hipótese nenhuma, que tirem o doce da sua boca nem que a violência se instale.

Ela mora léguas longe do paraíso que todos merecemos.


Andréa Muller

3/12/09

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fale se puder

Estou sentindo na pele o gostinho de ter minhas crônicas lidas. Tenho tido o privilégio de encontrar pessoas conhecidas que me fazem comentários pra lá de queridos. É uma sensação muito especial. Fui ao Teatro Municipal, sentei-me do lado de uma senhora que eu adoro e ela, assim que me viu, me disse que estava lendo minhas crônicas, que gosta, que eu escrevo aquilo que ela gostaria de dizer. No mesmo teatro, na mesma fileira, outra pessoa conhecida me disse a mesma coisa. To caminhando na rua, crianças pela mão, mochila, aquele auê de saída de colégio e minha ex-dentista passa correndo por mim e grita: sou tua fã. Leio você toda quinta. A colega de escola da minha filha também me lê. A mulher do meu colega me olha e diz que não só adorou a crônica da semana como ficou emocionada.

Emocionada estou eu por ter essas pessoas tão especiais como leitoras, por saber que de alguma forma meu texto emociona, faz pensar, está saindo do papel e cumprindo uma missão.

Essa coisa de a gente verbalizar, abrir a boca e dizer algo, como fizeram meus queridos leitores me faz pensar no poder da expressão. Eu estou me expressando através do texto.

E, o resto estamos expressando? O grande pai da frustração é a preguiça de falar e o excesso de expectativa.

Eu imagino que meu amor vai me dar um buquê de flores do campo sem motivo, por nenhuma data especial, apenas porque eu existo e essas benditas flores nunca chegam. E não chegarão jamais se eu não abrir a boca e falar. A manicure não me arranca os pedaços, tira minha cutícula direitinha, deixa minha unha espetacular e eu saio do salão de boca calada. Perdi uma chance de ouro de levantar a moral daquela profissional. Se fosse o contrário, eu também teria todo o direito de perguntar: escuta aqui mocinha, dormiste com os pés destapados essa noite? Quem não bota para fora, engole. Quando a gente pode deve sair cuspindo. Quando não há alternativa, corta-se o sapinho e engole-se pensando que é comida chinesa. Fazer o que?

Estou querendo que a vendedora embale o presente que eu comprei em um escandaloso papel de seda Poá, preto e branco, que ela coloque um laço bem grande. Qualquer coisa que faça o presente chegar antes de ser aberto. Mas ela me entrega na sacola da loja sem frufru nenhum. Burra eu que não fui logo avisando.

Quem quer pede. Do contrário leva o que a vida lhe dá. Pode ser bom também. Mas se você é daquelas que prefere o certo ao duvidoso deixe sua listinha na árvore de Natal que é para não ter surpresas.


Andréa Muller

Jornalista

Acordo Feito a Dois

Respeito todas as opções de união sacramentadas diante do altar, do juiz, no campo, no mar, ou somente entre o casal, sem nenhuma testemunha. O que vale é a felicidade. Toda maneira de amar, no entanto, envolve dividir a vida, na alegria e na tristeza, a rotina e as finanças, sim, porque esses dois últimos itens indispensáveis estão incluídos no pacote.


Existem mil modelos de relacionamento. Homens que ganham o dinheiro enquanto as mulheres administram impecavelmente a casa. Homens que ganham o dinheiro e ainda administram perfeitamente a casa, enquanto as mulheres fazem apenas parte da decoração.


Há ainda casais onde os dois trabalham, dividem as contas e para por aí. O resto dos afazeres continua sendo responsabilidade da mulher. Homens desse modelo levantam da mesa e acreditam sinceramente que a louça vai sozinha para a pia. E, depois de estarem esparramados no sofá, com os pés na mesinha de centro, acham normal uivar bemnhê vamos tomar um cafezinho, feito pela esposa, é claro. Eles moram na mesma casa há mais de 10 anos, mas não sabem o lugar de absolutamente nada, além de acharem que armários só servem para esconder as coisas. As indústrias moveleiras poderiam fechar suas portas sem problema, desde que as cervejarias funcionassem 24 horas por dia. Prender um espelho na parede para você? Claro! No ano que vem.


Em alguns endereços é covardia, tem gente que não aprendeu a dividir. Uma amiga, feminista e muito feminina tem uma teoria que não é de todo ruim. Ela acha que quando não existe divisão de tarefas melhor seria ficar no esquema de antigamente. As mulheres tinham apenas uma importante missão: ser a jóia preciosa do lar. Administravam recursos financeiros que não tinham nem um pingo do seu suor. Eram mais donas do seu tempo e da sua família, mantinham vigilância com os pimpolhos e, em contrapartida, tiravam cochilos depois do almoço, assistiam Vale Pena Ver de Novo. Nesses casos e somente nesses, argumenta minha amiga, é um prêmio lavar uma loucinha ou bater um bolo. Pior é trabalhar oito horas fora e mais 16 em casa. To fora. Sheila continua sendo minha amiga, mas eu gosto mais dela quando pensamos a mesma coisa, ou seja, que avance o feminismo.


Mas... Existem raridades que sabem onde estão guardadas suas cuecas e meias, encontram no escuro seus chinelos, não apertam o tubo da pasta de dente no meio, baixam a tampa da privada sempre que utilizam este instrumento. São de cama, mesa e banho, um aparelho de jantar completo, com talheres para peixe, inclusive. Sobrando, não conheço nenhum. Estão todos ocupados ou sozinhos, por opção.




Andréa Muller

Jornalista