quinta-feira, 19 de julho de 2012

Transformação

Impressionante é a nossa capacidade de sermos transformados se quisermos, se estivermos abertos ao que a vida nos oferece, do bom dia ao boa noite. E essa capacidade quando exercida às raias da loucura nos transforma em seres melhores, mais resilientes, mais amorosos, mais compreensivos, mais sábios, mais verdadeiros, mais apaixonados, mais realistas, mais gente de coração vermelho vivo, suscetível às lágrimas e aos afetos que nos diferenciam. Eu tive uma semana transformadora em um Seminário Nacional de Orientadores do Projeto Pescar em Imbé (RS), cercada de gente incrível que trabalha com a transformação de jovens de 16 a 19 anos cujas vidas são carregadas de histórias, das mais lindas, de amor e superação, as mais tristes. Mas existe uma esperança no coração de cada orientador deste Projeto que os faz ter forças de enxergar em cada jovem uma borboleta, símbolo da transformação. Transformação está em toda parte, nas diferenças de gerações, desde os veteranos, passando pelos baby boomers, geração X, Y e Z. Transformação é assistir o rock completar 50 anos e manter seu vigor, é compreender que trinta anos já foi o limite de idade para que mulheres fossem mães. Transformação é a inquietação que nos faz ver a graça da vida, sentados montando um quebra cabeça com nossos pequenos, conversando com nossos adolescentes ou almoçando com nossos avós e suas deliciosas histórias. Transformação é não se acalmar, não resistir, sacudir a poeira, dar a volta por cima e seguir sabendo que a vida não é só isso que nos mostram os noticiários, que livros podem aumentar o tamanho da nossa alma, pessoas fazem coisas boas e ruins, é urgente separar o joio do trigo, nem todos avaliam as circunstâncias. O inverno é sintoma de coisa errada quando estamos quentinhos, mas um ser humano bate queixo na rua. O oposto da transformação é quando eu só olho para o meu umbigo, pego sempre o mesmo ou o melhor pedaço, nunca como a asinha do frango, sento sempre na janela. Transformação é um Gonzaguinha soltando a voz com essa poesia Eu apenas queria que você soubesse/Que aquela alegria ainda está comigo/E que a minha ternura não ficou na estrada/Não ficou no tempo presa na poeira/Eu apenas queria que você soubesse/Que esta menina hoje é uma mulher/E que esta mulher é uma menina/Que colheu seu fruto flor do seu carinho/Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta/Que hoje eu me gosto muito mais/Porque me entendo muito mais também/E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora/É se respeitar na sua força e fé/E se olhar bem fundo até o dedão do pé/Eu apenas queira que você soubesse/Que essa criança brinca nesta roda/E não teme o corte de novas feridas/Pois tem a saúde que aprendeu com a vida/ Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta/Que hoje eu me gosto muito mais/Porque me entendo muito mais também Andréa Muller Jornalista

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A gota d’água Às vezes uma amizade, um contrato, uma relação intensa ou morna acaba sem sentido, sem que uma das partes entenda coisa alguma. Fica um vazio, uma interrogação e uma mágoa instalada. Aquilo nos incomoda, não mata, mas de vez em quando dá seus sinais, uma recordação, uma minhoca na cabeça. Tempos depois a gente descobre, sozinha ou por intermédio de alguém, o que de fato aconteceu, o que foi aquela gota d’água que fez com que uma coisa que parecia sólida se desmanchasse no ar. E o que gerou a corda rompida foi algo tão ridículo, tão pequeno, que é inacreditável que tenha feito tanto estrago. Mas é assim mesmo, nossa cabeça nossa sentença. O que para mim é ouro pra você pode ser latinha, coisa sem valor. Eu consigo engolir dez sapos sorrindo, você não engole nenhum. Eu consigo ver em você o que mais me agrada em primeiro lugar e, em segundo, seus piores defeitos. Você me enxerga primeiro pelos trapos e custa a ver minha riqueza, ou não vê nunca, ou acha que eu não tenho nenhuma. Não existe faculdade para ensinar a qualidade das relações, dos serviços, das conversas, mas a literatura ajuda e muito. Li recentemente o livro de Dulce Ribeiro “Você, a diferença na era da relação”. Uma delicia do começo ao fim. A orelha do livro já me fisgou ao substituir o tradicional currículo da autora por uma confissão sobre a sua carreira, suas relações, suas emoções, suas crises e a afirmação de que sabe onde quer chegar e o que está fazendo aqui. Ufa! Isso é o que eu chamo de uma mulher inteira. E ela nos ensina a construir relacionamentos de verdade e a ter uma visão positiva de nossos fracassos, transformando-os em oportunidades. O livro é voltado para o atendimento ao cliente, mas se encaixa direitinho para todas as relações. Afinal, se tratarmos todos como clientes não será uma relação diferente? E a lição número um é saber cuidar. Cuidar de si, da sua casa, dos seus filhos, da família, do trabalho, da equipe, da empresa, dos funcionários, da rua, do bairro, do planeta. Cuidar da sua alma. Cuidar no sentido de dedicar-se a alguém ou a algo. Este sentimento é conseguido a partir do uso da inteligência espiritual, que a autora chama de pós-doutorado em relacionamentos. Inteligência emocional é a capacidade de identificar em si e nos outros as suas virtudes e fraquezas como ingredientes importantes para compor o equilíbrio de uma pessoa ou de um grupo, a fim de manter-nos conectados. As pessoas são tão felizes quando decidem sê-lo, disse Abraham Lincoln. Andréa Muller Jornalista

domingo, 8 de julho de 2012

Sequestros

"Dos relacionamentos que você já teve, quais foram às ocasiões em que verdadeiramente você foi modificado para melhor? Será que você é lembrança doída na vida de alguém? Será que já construiu cativeiros? Ou será que já viveu em algum"? Estas frases estão na orelha do livro Quem me Roubou de Mim, do Padre Fábio de Melo. É o segundo livro dele que leio e gosto. Por que eu comprei esse livro? Encantei-me pelo trechinho a seguir: "não é mais um livro de teoria da vida, mas é a vida de uma teoria. Ele não nasceu do aprendizado acadêmico. Nasceu dos olhos que um dia me olharam e pediram ajuda. Gente que precisava sair dos cativeiros dos afetos, das dependências viciosas, das autoridades arbitrárias e das violências veladas. Não, essa gente não trazia correntes nos pés, nem nas mãos. As correntes estavam na alma, onde nossos olhos apressados não chegam, porque a dor mais profunda requer calma para ser encontrada".

Não me arrependi nadinha. São 148 páginas deliciosamente bem escritas, envolventes e que me levaram a ficar boas horas pensando na vida, nos afetos retidos e naqueles perdidos. Quantas pessoas já passaram por nossa vida? Com quantas ainda estamos verdadeiramente? Quantas nunca mais ouvimos falar, mas volta e meia nos invade a lembrança? Quantas nos fizeram tanto bem e outras tanto mal? Elas sabem disso? Por que nunca falamos? Respeito, juízo, necessidade, vergonha, falta de coragem?

Daqui em diante, nesta crônica, todas as aspas são do livro. Podem chamar de falta de imaginação para escrever essa semana. Talvez tenha sido mesmo. Ficamos um bocado de tempo nos olhando: o teclado e eu. Quem venceu? Os trechos a seguir venceram a corrida dos espermatozóides até o óvulo e aqui está a criança. Pena que não seja minha, mesmo assim é um grande amor que está sendo compartilhado.

"Um novo amor que chega é encantador, mas não é único. Ele é recém-chegado. Depois que ele chegou, a nossa vida, nosso mundo, diminuiu ou dilatou-se?... Somos todos desejantes. O que gostamos no outro é o que sobra do encontro que realizamos com ele. É a terceira pessoa, é o que nasce do encontro... Não, a vida não é um conto de fadas, mas nem por isso estamos privados da felicidade que eles nos sugerem. Precisamos entender que não existe ser humano ideal. O que existe é o ser humano certo. O ser humano certo tem defeitos, qualidades, e na soma de tudo é um resultado em que você resolve acreditar".

Lindo de ler, lindo de viver.


 

Andréa Muller

jornalista

domingo, 1 de julho de 2012

DEVERES

Todos os assalariados descontam mensalmente impostos de seus salários e pagam suas contas em dia, às vezes nem tanto, mas os juros correm atrás sem piedade e pagamos, não tem moleza. Para ir daqui a Porto Alegre são apenas cinco pedágios na ida e mais quatro para voltar, uma bagatela. Ir ao centro e deixar um realzinho no parquímetro já é rotina, não achamos mais estranho. Levar uma multa no Cassino na manhã após o carnaval enquanto os lixeiros faziam o seu trabalho e o resto do povo curava a ressaca é merecimento. Só eu, a louca, é que resolveu sair de casa às 9 horas da manhã para comprar produtos para a piscina. Eu estava devidamente de cinto de segurança, mas minha filha de 11 anos, sentada no banco de trás não estava e fui multada. Repito: merecimento. Bocabertice.

Blitz é rotina. Semana passada teve uma que coincidentemente só parou os carros com a placa cujo IPVA vencia naquele mês. Soube que foram recolhidos cerca de 60 veículos. Não eram Fuscas azuis nem Brasílias amarelas. Eram carrões e estavam com seus impostos atrasados há alguns dias, nenhum sem pagar há mais de um ano. Todos foram educadamente orientados a esvaziar seus veículos, pois os mesmos seriam guinchados. Dinah desesperada, com o porta malas lotado de pertences pessoais perguntou: mas seu guarda, e as minhas coisas? Educadamente ouviu que colocasse suas coisas na calçada. Repito: a ordem foi pronunciada com a maior educação e o destino é esse mesmo: calçada.

Mas e a vergonha e o constrangimento? O que fazemos com eles? Engolimos? Temos outra opção? Era um tal de liga pra marido, pra melhor amiga, para o vizinho pedindo uma carona, um colo, um apoio. Não merecíamos outro tipo de tratamento? Algo como a multa, fazer o quê, e um prazo de vinte e quatro horas para regularizar a situação sob pena de, se não o fizermos, ai sim termos o carro enviado ao depósito.

Não nos cortam a energia elétrica nem a água se não pagarmos no dia exato. Temos uma segunda chance, recebemos um aviso e se persistimos inadimplentes perdemos o direito ao serviço pagando, diga-se de passagem, os juros e a taxa de religação. De graça nada. Assim vamos nos acostumando a viver em um País que cobra taxas para tudo, mas não retorna em tamanha proporção suas obrigações. Nossos hospitais estão longe de ser o que merecemos, o saneamento básico ainda é utopia em muitos estados brasileiros e deveres não nos faltam, em compensação o resto é notícia de bons exemplos que assistiremos no próximo Jornal Nacional.

Andréa Muller

Jornalista