Andréa Muller
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Transformação
quinta-feira, 12 de julho de 2012
domingo, 8 de julho de 2012
Sequestros
"Dos relacionamentos que você já teve, quais foram às ocasiões em que verdadeiramente você foi modificado para melhor? Será que você é lembrança doída na vida de alguém? Será que já construiu cativeiros? Ou será que já viveu em algum"? Estas frases estão na orelha do livro Quem me Roubou de Mim, do Padre Fábio de Melo. É o segundo livro dele que leio e gosto. Por que eu comprei esse livro? Encantei-me pelo trechinho a seguir: "não é mais um livro de teoria da vida, mas é a vida de uma teoria. Ele não nasceu do aprendizado acadêmico. Nasceu dos olhos que um dia me olharam e pediram ajuda. Gente que precisava sair dos cativeiros dos afetos, das dependências viciosas, das autoridades arbitrárias e das violências veladas. Não, essa gente não trazia correntes nos pés, nem nas mãos. As correntes estavam na alma, onde nossos olhos apressados não chegam, porque a dor mais profunda requer calma para ser encontrada".
Não me arrependi nadinha. São 148 páginas deliciosamente bem escritas, envolventes e que me levaram a ficar boas horas pensando na vida, nos afetos retidos e naqueles perdidos. Quantas pessoas já passaram por nossa vida? Com quantas ainda estamos verdadeiramente? Quantas nunca mais ouvimos falar, mas volta e meia nos invade a lembrança? Quantas nos fizeram tanto bem e outras tanto mal? Elas sabem disso? Por que nunca falamos? Respeito, juízo, necessidade, vergonha, falta de coragem?
Daqui em diante, nesta crônica, todas as aspas são do livro. Podem chamar de falta de imaginação para escrever essa semana. Talvez tenha sido mesmo. Ficamos um bocado de tempo nos olhando: o teclado e eu. Quem venceu? Os trechos a seguir venceram a corrida dos espermatozóides até o óvulo e aqui está a criança. Pena que não seja minha, mesmo assim é um grande amor que está sendo compartilhado.
"Um novo amor que chega é encantador, mas não é único. Ele é recém-chegado. Depois que ele chegou, a nossa vida, nosso mundo, diminuiu ou dilatou-se?... Somos todos desejantes. O que gostamos no outro é o que sobra do encontro que realizamos com ele. É a terceira pessoa, é o que nasce do encontro... Não, a vida não é um conto de fadas, mas nem por isso estamos privados da felicidade que eles nos sugerem. Precisamos entender que não existe ser humano ideal. O que existe é o ser humano certo. O ser humano certo tem defeitos, qualidades, e na soma de tudo é um resultado em que você resolve acreditar".
Lindo de ler, lindo de viver.
Andréa Muller
jornalista
domingo, 1 de julho de 2012
DEVERES
Todos os assalariados descontam mensalmente impostos de seus salários e pagam suas contas em dia, às vezes nem tanto, mas os juros correm atrás sem piedade e pagamos, não tem moleza. Para ir daqui a Porto Alegre são apenas cinco pedágios na ida e mais quatro para voltar, uma bagatela. Ir ao centro e deixar um realzinho no parquímetro já é rotina, não achamos mais estranho. Levar uma multa no Cassino na manhã após o carnaval enquanto os lixeiros faziam o seu trabalho e o resto do povo curava a ressaca é merecimento. Só eu, a louca, é que resolveu sair de casa às 9 horas da manhã para comprar produtos para a piscina. Eu estava devidamente de cinto de segurança, mas minha filha de 11 anos, sentada no banco de trás não estava e fui multada. Repito: merecimento. Bocabertice.
Blitz é rotina. Semana passada teve uma que coincidentemente só parou os carros com a placa cujo IPVA vencia naquele mês. Soube que foram recolhidos cerca de 60 veículos. Não eram Fuscas azuis nem Brasílias amarelas. Eram carrões e estavam com seus impostos atrasados há alguns dias, nenhum sem pagar há mais de um ano. Todos foram educadamente orientados a esvaziar seus veículos, pois os mesmos seriam guinchados. Dinah desesperada, com o porta malas lotado de pertences pessoais perguntou: mas seu guarda, e as minhas coisas? Educadamente ouviu que colocasse suas coisas na calçada. Repito: a ordem foi pronunciada com a maior educação e o destino é esse mesmo: calçada.
Mas e a vergonha e o constrangimento? O que fazemos com eles? Engolimos? Temos outra opção? Era um tal de liga pra marido, pra melhor amiga, para o vizinho pedindo uma carona, um colo, um apoio. Não merecíamos outro tipo de tratamento? Algo como a multa, fazer o quê, e um prazo de vinte e quatro horas para regularizar a situação sob pena de, se não o fizermos, ai sim termos o carro enviado ao depósito.
Não nos cortam a energia elétrica nem a água se não pagarmos no dia exato. Temos uma segunda chance, recebemos um aviso e se persistimos inadimplentes perdemos o direito ao serviço pagando, diga-se de passagem, os juros e a taxa de religação. De graça nada. Assim vamos nos acostumando a viver em um País que cobra taxas para tudo, mas não retorna em tamanha proporção suas obrigações. Nossos hospitais estão longe de ser o que merecemos, o saneamento básico ainda é utopia em muitos estados brasileiros e deveres não nos faltam, em compensação o resto é notícia de bons exemplos que assistiremos no próximo Jornal Nacional.
Andréa Muller
Jornalista
sexta-feira, 22 de junho de 2012
Sou eu que decido
Janete ganhou no dia dos namorados um perfume Chanel nº 5. Foi à loucura, amou o perfume e ainda mais o dono de tamanha gentileza. Chanel nº 5 não é apenas um perfume, é um ícone da perfumaria criado em 1921 por Ernest Beaux, a pedido da estilista Coco Chanel. Só que o moço ao entregar o presente fez uma recomendação: use poucas gotinhas. Ora, ora, isso lá é coisa que se diga para quem acabou de ganhar um frasco de Chanel nº 5. Janete, no entanto, foi rápida na resposta: isso sou eu que decido. Pronto, fica decretado, a partir de então, que existem coisas, e diga-se de passagens, muitas coisas que cabe a nós, e somente a nós a decisão.
Maria ganhou uma roupa nova da mãe e a recomendação de que deveria usar para sair. Ora, ora, isso lá é coisa que se diga para alguém como Maria. Isso sou eu que decido, disse apressadamente e com razão. Se for meu, eu escolho se vou usar para sair, para tomar café da manhã, dormir ou ir à feira com a roupa nova. Manual de instruções a gente aceita e lê de eletrodomésticos, o resto deixe com a gente.
Isso sou eu que decido é agora meu mantra, recito ao acordar, ao tomar banho, ao deitar, ao negociar, ao primeiro sinal de que alguém está querendo segurar o manche do meu vôo. Levei anos para aprender a voar sozinha, tive aulas e mais aulas, agora, neste exato momento acho que aprendi como fazer isso e quero poder aproveitar esse bom momento da maturidade, me confidenciou Salete.
Hoje eu quero sair para dançar, tomar umas taças de vinho, chorar um pouco antes de dormir, imaginar o que estarei fazendo daqui a dez anos, encontrar com um amigo que eu não vejo a mais de 30 anos e recordar o passado. O que é isso vó? Enlouqueceu de vez? Não minha filha, isso sou eu que decido.
As mulheres nos ensinam muitas coisas, os homens são um verdadeiro doutorado e as crianças um colégio interno. Os pais só reconhecemos de fato e de direito quando vivemos este papel, antes disso nem tente convencer ninguém sobre o que é a vida após a maternidade. Não perca seu tempo, é impossível, inimaginável, papo sem cabeça onde quem escuta coloca na lixeira mais próxima ao se afastar de você. Isso sem falar no sorriso amarelo durante a conversa.
Chega um tempo, que é diferente para mim, para Janete, para Maria, para minha avó. Esse tempo é o reflexo do caminho, curto ou comprido no qual levamos ou fomos levadas pela vida, pelo companheiro, pelos filhos, pela vida doméstica, pela dedicação ao trabalho, pela negação da felicidade, pela felicidade em excesso, pelo bem e pelo mal. É neste instante que podemos dizer com todas as letras: isso sou eu que decido.
Andréa Muller
Jornalista
Junho/2012
Dia dos Namorados
Meu coração foi literalmente fisgado pela data e sacudido pelas propagandas, pelas vitrines, pelo apelo. Marido é namorado? Namorado é marido? O que faz um namorado virar marido e um marido continuar sendo um namorado? Namorado é a coisa mais desejada do mundo. A grande maioria pode não querer ter filhos, ter marido, ter cachorro, ter sogra, ter casa própria, ter carro, viajar de avião, de navio, mas namorado todo mundo quer. É imprescindível. Faz parte da carreira, enche o currículo, só trás boas lembranças. Não importa quantos, pode ser um de anos ou vários de meses, depende da freguesa. Namorar é obrigatório, casar é opcional.
Namorado com N maiúsculo é maravilhoso, é bom demais, mas não é com esse cara que vamos nos casar. Namorado é paixão, é coisa de tirar o fôlego, tirar o sono, geralmente é muita areia para o nosso caminhãozinho e a gente funde o motor antes da revisão dos três mil quilômetros. É claro que vamos nos casar com um dos namorados ou seriamos lésbicas, doentes, pedófilas. Mas não será com aquele namorado que mais marcou nosso coração, aquele que nos tirou o fôlego, que nos fez rabiscar uma agenda cheia com seu nome, olhar embevecida para a lua, acreditar na ressurreição, no céu, nas estrelas cadentes, sonhar acordada e pedir para ser beliscada, morrer de amor, de fome, de sede, atravessar o deserto. Não case com essa pessoa que lhe fez sentir tudo isso, pois você tenderá a se suicidar.
Namore de novo, mais uma vez e marque a data do seu casamento com a convicção de que você pegou a estrada certa, que ela é asfaltada, pedagiada e você enxerga o infinito, apesar de no trajeto você pegar sol, chuva, neblina e escuridão. Namore alguém que lhe deixe em pé, inteira, lúcida, transparente, radiante, feliz. Alguém que você consiga ficar perto e longe ao mesmo tempo, que faça você respirar normalmente. Namore e case, ou só namore se preferir com alguém com quem você adora estar, mas se por acaso você ficar longe por uma semana ou quinze dias ou mais, você sentirá muita saudade, mas não precisará tomar remédio ou um porre para dormir ou mandar um detetive o seguir para confirmar onde ele disse que estaria. Case com alguém não por que essa pessoa pode sustentar você, mas por que ela se sustenta. Case com alguém que se por acaso não atender o celular você o perdoe e o compreenda. Case, namore, fique, esteja com alguém que quando põe à chave na porta você pensa: chegou à paz, a solução, a alegria, a recompensa e se sinta bem só por isso. Feliz dia dos namorados, dos maridos, dos amantes, dos companheiros.
Andréa Muller
11/06/12
domingo, 1 de agosto de 2010
Fila no Planalto
Não sou chegada a discutir política, mas como mãe não posso deixar de opinar a respeito do que anunciou o nosso presidente Lula. Ele assinou na semana retrasada um projeto de lei de autoria do Poder Executivo do Brasil que virá a interferir diretamente na educação que nós pais temos o direito de exercer. Se aprovado for, os pais vão virar funcionários que devem cumprir as diretrizes impostas pelo governo. O próximo passo será criar um sindicato da categoria.
Já basta a inversão de valores que impera no ambiente escolar. A grande maioria das escolas não pode ter pulso firme, em nome de não sei o que, e releva que alunos se portem como filhinhos de papai, com direito a levantar a voz, falar palavrão, usar celular em plena sala de aula, desrespeitando o professor na maior cara de pau. Esses queridos alunos são fruto do quê? É bem provável que seja de pais que esqueceram seu papel, que negligenciaram o limite e que consideram mais fácil delegar a outros poderes o papel que é seu. Esse time deve estar aplaudindo esse projeto de lei. Esses mesmos pais, que não corrigem, também não aceitam que seus filhinhos sejam advertidos. Muitas vezes, quando são chamados a prestar contas sobre os atos cometidos por seus filhos, passam a mão por cima, acham que seus pimpolhos foram injustiçados e procuram outra instituição que aceite esses bons moços.
O que este inteligente projeto de lei vai conseguir? Exatamente reforçar esse universo de pais que adoram não ter responsabilidade e esses filhos que preferem ser criados pelo vento.
Vai ter fila no Planalto de filhos denunciando os próprios pais e esperando que os mesmos sejam punidos. Provavelmente, além do Sindicato também será criada a delegacia dos filhos, com pilhas de processos contra pais que deram palmadas, colocaram de castigo.
Se aprovado este projeto, não só os vizinhos, mas os próprios filhos terão carta branca para chamar as autoridades de plantão.
Não, eu não sou uma espancadora de filhos, muito pelo contrário, nas poucas vezes em que lancei mão de palmada, puxão de orelha e castigo, ou levantei a voz, doeu muito mais em mim. Eu acredito que para viver em família, regras mínimas de respeito, divisão de tarefas e satisfação devam ser cumpridas, senão vira a casa da mãe Joana.
Parece-me um enorme contra senso que pais irresponsáveis, que permitem filhos formando gangs do mau não sejam cobrados nem punidos, mas que esses mesmos pais sejam punidos se abrirem seus olhos e colocarem esses mesmos filhos de castigo. O Estado já tem muito com o que se preocupar, não precisa inventar mais nada.
Andréa Muller
Jornalista