Vai entender. Por ironia do destino veio trabalhar comigo, temporariamente, uma jovem de trinta anos, pequena e ao mesmo tempo imensa, frágil e forte. Ele é dois pólos, duas vidas, duas pessoas dentro dela mesma, lutando uma com a outra pela sobrevivência. Lembra-me um anjo de asa só, machucado, em constante sofrimento. Em compensação nos dias de calmaria um sorriso terno. Por que o destino cruzou nossas histórias eu não sei. Sei que preciso fazer alguma coisa para aliviar tamanho sofrimento. Sei que me comovo com sua dor, sei que valorizo cada pedaço das minhas feridas, as curadas e as em processo de cura. Sei que rezo para Maria.
Angustia é como ter um gato chiando no peito, a gente sabe que ele está lá, sentimos sua presença, mas não conseguimos pegá-lo. Acho que foi Zélia Gattai quem escreveu algo assim em um de seus poemas. Já falei em uma crônica que é mais fácil entender, não quer dizer aceitar, a pressão alta, diabetes, dor de cabeça, gastrite. Mas uma tristeza tamanha, dia e noite, acorrentada na alma, que não cessa nunca é um peso grande demais para carregar. Essa mocinha que agora divide algumas horas comigo carrega esse saco há dez anos.
Dias felizes, normais. Dias tristes e cinzentos. Segue assim o calendário da natureza pulando do verão ao inverno. Dias de mais e de menos roupas.
Com a pequena grande Ana não é assim. Não há trégua. Ela chora dia sim e dia não. Chora baixinho, chora calada, chora sozinha, chora o choro do mundo.
O que eu posso fazer? Ainda não sei. Mas escrever esse desabado já me fez um bem danado. Agora é correr atrás de alguém que seja capaz de aliviar esse peso, que tenha as armas para o bom combate. Um combate que não será pequeno. É um exército de um homem só, mas ele é duro de cair, forte pra chuchu resistente como o bambu.
E eu? Eu busco com paciência todo o meu vocabulário de auto-ajuda acumulado. Tenho fé e acredito que essa dor vai passar. Só que não é simples assim. Não basta água com açúcar. Também acho que outro anjo, dessa vez completinho, com duas asas foi quem levou essa pequena para o meu endereço. Nada é por acaso. Há lições que precisamos aprender e quem escolhe os meios nem sempre somos nós. É possível mudar de rota, chutar as pedras do caminho, fazer de conta que não é com a gente, tirar o incomodo de cena ou sair da zona de conforto e fazer alguma coisa. Eu fico com a segunda opção.
Andréa Muller
Jornalista