domingo, 25 de abril de 2010

TPM

Bom dia flor do dia. Todo mundo merecer começar seu dia assim, pelo menos em oitenta por cento dos dias do mês, os outros vinte por cento, convenhamos é bem justo que sejam da TPM – To Possuída Mesmo. Este é o verdadeiro significado de TPM e nós temos direito a ter, em paz, a nossa TPM. Afinal não é fácil ver a Lagoa dos Patos, Mirim e Mangueira descendo todos os meses, algumas vezes com aviso prévio, mas outras vezes de supetão.
O que os homens poderiam fazer, se quiserem compreender um pouco as queridas mulheres de suas vidas, é entender o que elas fazem em nome da TPM.
As mulheres guardam todas as roupas sujas para lavar nesse período que na verdade é uma verdadeira benção do Papai do Céu.
Quem foi o cristo que deixou as toalhas molhadas em cima da cama? Onde diabos estão minha pinça e meu batom cor de boca? Não adianta falar! Vocês não aprendem nunca que não se deve apertar a pasta de dentes no meio. Puxa a descarga, por favor! Por que vocês insistem em servir o açúcar fora da xícara? Sabiam que o papel higiênico não tem pernas? O que tem pro almoço hoje? Miojo. Cada um que prepare o seu.
Prezada Vanessa, minha querida empregada, hoje, sem falta: limpe todas as janelas, as portas, arrume meu armário e deixe uma nega maluca cheia de cobertura pronta. Assinado: patroa com TPM.
Boa tarde! É do Salão de beleza? Eu gostaria de um horário com o Zé Bob pra hoje, tem? Amanhã? Não. Tem que ser hoje. Ok, às vinte horas está ótimo. Corta, repica, pinta, me transforma hoje porque é urgente e preciso.
Mãe? Ta me ouvindo, a ligação ta horrível. Mãezinha, tudo beleza? To mal mãe, to carente, não agüento mais o João, os meninos estão impossíveis, a casa está uma várzea.
Mulher na TPM sai de carro sem destino e não sabe como acaba parando no Cacau Show, no Boticário, na Renner, na Emilice. Não são seus pés que a transportam é seu instinto. É um desatino de afirmação, de recompensa, de banho de civilização.
Homens aproveitem esses dias, mantenham algumas trufinhas guardadas e as distribuam na hora certa. Ouçam o que os ataques de pelanca revelam durante esses poucos dias mensais e usem a seu favor. Quem disse que a mulher é cheia de mistérios? É nada. Na TPM ela acaba revelando todas as suas angústias, suas crenças, suas preocupações, suas intenções, suas intolerâncias. Espertos os que aprenderem nesses dias.

Rasura

Dia desses, eu coloquei na máquina de lavar um tapete de lã, bordado a mão em ponto cruz. Era grande, tinha mais ou menos um metro e meio por um metro. Ele já tinha sido lavado algumas vezes e eu não pensei que aquela seria a última. Abri a máquina para pendurá-lo esperando encontra-lo macio e com cheirinho de amaciante. Que nada! Ele estava todo esburacado, como se um gato estivesse dentro da máquina e felinamente tivesse feito esse estrago. A vida dele tinha chegado ao fim e uma parte das minhas recordações também. Eu comecei a bordar aquele tapete quando minha primeira filha nasceu. Eu morava numa espécie de casa de campo e tinha pela frente uma licença maternidade que parecia infinita. Passei os nove meses da gestação maravilhosamente bem, sem enjôos, sem dores, só felicidade e fome. Engordei 28 quilos e pulei de 57 para 85.
Fui pega de surpresa pela misteriosa depressão pós-parto. Logo eu que tinha planejado cada detalhe da maternidade, a partir do dia em que teria meu bebê nos braços e uma nova referência na minha biografia: ser mãe. Todo o meu planejamento não saiu como o esperado, meu coração ficou esburacado como o dito tapete tempos depois. Em silêncio eu comecei a bordar. Cada ponto me ocupava o bastante para não pensar em nada, era um refúgio silencioso que não atrapalhava o sono do bebê. Naquele estado de tristeza quanto menos eu precisasse ser mãe melhor. Eu não me sentia capaz e por isso preferi ser bordadeira. Eu fazia tudo o que o bebê precisava, mas no resto do tempo esquecia-me da vida tecendo cada ponto. A tristeza foi embora naturalmente, mas demorou mais do que eu merecia. Deixou de herança o tapete. Mas também há sua hora chegou.
Depressão pós-parto não tem lógica e não pode ser tabu. É uma dor sem resposta que por mais que pareça infinita passa. Eu sempre falei da minha com naturalidade e sobraram muitas marcas que me agregam valor, como todos os bons e maus acontecimentos. No nascimento da minha segunda filha eu nem soube que ela existia.
Meu velho tapete esburacado foi pro lixo. Como diz uma letra da música de Oswaldo Montenegro:
“Que a rasura que foi feita
Foi perfeita na sua hora
E mais que o mais perfeito
Rasurar valeu à pena
Como esteve rasurado
O primeiro original
Do mais lindo poema”.

Para se lembrar a vida inteira

Para se lembrar a vida inteira, essa pequena frase me saltou aos olhos lendo o jornal. Escrevi-a no meu livro de intenções – um pequeno caderno aonde vou guardando recortes de jornal, sinopses de livros que quero ler, filmes que quero ver, projetos que pretendo realizar, desenhos e cartões recebidos, dicas de bons fornecedores, perfumes, sites que valem a visita etc.
O que eu gostaria de lembrar a vida inteira? Que tive pais amorosos, que eles deram bastante duro, me ensinaram o que sabiam, me abriram os olhos, me deram segurança para voltar sempre para casa, criaram um porto seguro com endereço fixo. Ensinaram-me que férias são sagradas e devem ser algo que faça você sair da rotina, por isso devem ser aproveitadas longe de casa, nem que seja no camping mais próximo.
Eu quero lembrar a vida inteira que morei no bairro Bonfim, que aos nove anos vendia revistinhas usadas na beira da calçada e que as outras crianças compravam. Que eu dava voltas e mais voltas de bicicleta no quarteirão falando sozinha, que eu me apaixonei por um vizinho e quando ele passava meu coração parecia que ia saltar pela boca. Eu quero lembrar a vida inteira que fui para a faculdade durante muitos anos de carona com um senhor chamado Alfredo que tinha um fusca verde, era representante de Laboratório e pegava três jovens estudantes de jornalismo, psicologia e arquitetura todos os dias da semana na curva da rodoviária. Eu nunca quero esquecer que vendi brigadeiros durante dois anos na faculdade e que com aquele troco eu pagava meu próprio cinema e minha cuba libra no bar Pecados Mortais no Menino Deus, em Porto Alegre.
Eu quero lembrar a vida inteira que Garopaba foi uma linda vila de pescadores, onde se comprava peixe saído direto do barco, ainda vivo. Eu quero lembrar a vida inteira que acreditei em Papai Noel; comparei meu ninho de páscoa com os das minhas irmãs e contei cada ovinho para saber se a divisão era justa e sempre era. Eu quero lembrar a vida inteira que recebi uma surra tão grande que fiz xixi nas calças porque comecei um caderno novo antes de terminar o velho. Eu quero lembrar a vida inteira que o especial do Roberto Carlos era um espetáculo tão grande que a família toda sentava à sala para assistir como se estivéssemos no teatro e que todos os domingos o almoço na casa da mãe era um inesquecível arroz com galinha feito na panela de ferro.
Eu nunca quero esquecer que minha tia Wilda me pagava dez centavos por cada fio de cabelo branco que eu arrancava dela e que essa tarefa me ocupava deliciosas horas ao som da música de Vanusa Nas manhãs de setembro. Eu quero lembrar para sempre do meu cachorro piti, malhado de branco e bege. Eu nunca quero esquecer as mãos do meu pai nem o sorriso da minha mãe, nem dos abraços que dei.

Ninguém precisa gostar do todo

“Ninguém precisa gostar do todo”. Eu aprendi essa descoberta com um elegante e sábio psiquiatra que ajuda os outros por meio do diálogo. Mas eu andava totalmente esquecida de como essa pequena frase é útil e capaz de promover tanta diferença no modo como encaramos nosso dia-a-dia.
Tenho uma crença própria e forte de que não existem caras metades, existem pessoas inteiras que por opção multiplicam o amor, a alegria, dividem a dor, as contas, os problemas. Não existem meio a meio, duas metades, porque quando uma for embora pela morte ou por opção a outra ficará quebrada, partida, a espera de outra metade que poderá simplesmente não chegar. Ciúme também nunca foi um calo no meu sapato. Acho que cada um merece ter seu espaço, suas preferências, seus amigos e uma boa dose de individualidade. Hora de ficar juntos e também separados. Mas minha teoria nem sempre é bem aceita. Existe gente ciumenta de doer e sacanagens completamente desnecessárias. Se alguém está com alguém porque buscar outro ao mesmo tempo? Por que só largar um passarinho quando outro já estiver preso na gaiola? Será por medo de ficar só nesse espaço de tempo?
Fico com o que pensava Mário Quintana: “Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com uma outra pessoa, você precisa, em primeiro lugar, não precisar dela”. Ou como disse Martha Medeiros “Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.”
Praticar a teoria do “ninguém precisa gostar do todo” ajuda em todas as relações. Para isso é preciso ser bastante observador e aprender primeiro quais são os valores das pessoas. A chave de algumas verdades esconde-se aí. Aprendi com uma amiga vinte anos mais velha que sentimentos e valores diferem muito de pessoa para pessoa. Alguém com vinte anos enxerga a vida com olhos de vinte anos e alguém de quarenta anos com olhos de quarenta anos. Simplista. Não. Realista. É a soma dos anos, as vivências, as feridas graúdas ou os pequenos arranhões que nos torna o que somos. É a bagagem acumulada que nos personaliza.

Miguel e Luciana

Eu assisto à novela das oito quando estou em casa. Mergulho no enredo e faço parte da história, sem dó nem piedade. Isso significa que choro, sorrio e torço para que as coisas estejam no lugar merecido.
O esperado capítulo de Viver a Vida com a declaração de amor do Miguel para a Luciana foi para ninguém botar defeito. Deve ter sido um dia de audiência alta e de elucubrações da mulherada, pensamentos sobre a relação e até vontades afloradas de dar inicio a um divórcio. Separação depois de um capítulo como aquele? É óbvio! Quem não olhou pro companheiro ao lado e teceu comparações? Fazia muito tempo que eu não via uma declaração de amor tão verdadeira, completa e real. Eram literalmente dois seres apaixonados se declarando dispostos a entrar de cabeça numa relação rumo à felicidade. Existe coisa melhor do que isso?
O diálogo entre eles foi grande e sincero. É novela, eu sei. Mas era perfeitamente possível entre duas pessoas maduras, honestas, apaixonadas e sintonizadas. Tudo na vida depende da nossa ação. Miguel agiu. Ele deu comida pro amor e ele cresceu; ele percebeu a diferença entre viver o amor platônico e partir para o real apostando no tudo ou nada. A graça foi que a outra parte, a Luciana, o alvo deste amor, estava pronta para receber, ouvir, gostar e querer aquela declaração.
Na vida real e nas novelas o insucesso pode acontecer. E acontece. Uma amiga minha acabou de conhecer um cara de cinqüenta e poucos anos, separado, com um filho. Foram apresentados, tiveram uma empatia aparente e partiram pro vamos ver no que vai dar isso, impulsionados pelas infinitas possibilidades. Deu a maior meleca. Por quê? As expectativas eram opostas. Ela mandava torpedos de madrugada dizendo sentir saudades, ligava para desejar bom dia quando ele estava na frente de um cliente. Ela tinha uma receita de conquista que não era a preferida dele e vice versa. Ela era a baba de moça, derretida e doce. Ele o pé de moleque. O que poderia dar não deu, não deslanchou, mal teve começo, e o meio e o fim foi retirado do caminho. Outra amiga comentou que queria muito fazer uma viagem com a filha adolescente para um destino tentador. A menina não queria ir e ela, chateada, pensava o quanto desejou receber esse mesmo convite de sua mãe. Quando eu tinha quinze anos voltei de umas férias e a minha mãe tinha feito uma reforma no meu quarto, com direito a cortina de babados e almofada de coração. Eu odiei tudo e fui bem cruel nos meus comentários. Mas eu amava minha mãe.

Formatura

Vou ter que dar um puxão de orelhas bem grandão em uma pessoa que eu nem conheço, mas já gosto por tabela. O pouco que sei é suficiente. Ela tem 57 anos, cinco filhos, três netos, trinta e dois anos de magistério e nesse mês vai se formar em pedagogia. Colocar cinco filhos no mundo já mereceria entrar para o livro dos recordes. Imagine cinco barrigas, cinco partos, cinco filhos para amar e educar. Só essa tarefa já consome energia suficiente para iluminar a avenida principal da praia do Cassino.
Mas, essa mulher com M maiúsculo que eu nem sei o nome está desdenhando a si mesma. Sabe o que ela vem dizendo para os filhos sobre a sua formatura? Que é um atestado de burrice e que já passou da sua época. Usando essa desculpa ela não quer celebrar o acontecimento como convém, não quer convidar quase ninguém, não está preocupada com a roupa que irá usar e andou pensando em pegar um vestidinho preto emprestado da filha.
A filha, uma jovem de cabeça feita, cheia de vitalidade e centrada na medida não se conteve. Nessa hora os papéis se inverteram. Filha virou mãe e mãe virou filha. Vestido preto, mãe? Onde já se viu uma coisa dessas! É a tua formatura.
A cena me lembra a filha que faz quinze anos e não quer festa, prefere uma viagem ou um notebook, deixando a mãe frustrada. Nesse caso a frustração é dos filhos.
O que essa mulher não sabe é que ela é um grande exemplo. Não é a toa que os filhos estão tão mobilizados e preocupados com ela. Eles reconhecem o valor dessa mãe, reconhecem o esforço que ela fez para esperar os tempos certos da sua vida: o tempo de ser mãe e o tempo de ser ela. E voltar a estudar é a prova de que ela não se perdeu de si mesma. E na medida em que essa mãe não se perdeu de si mesma ela ensinou seus filhos por tabela, pelo exemplo. Se a mãe pode, se a mãe faz, nós também podemos e devemos seguir seu exemplo. É um ganho indireto, é um exemplo escondido.
Mas e agora? Por que esse boicote com a formatura? Ah! Ela também disse o seguinte: eu sou a mais velha da turma. Esse seu piti todo é coisa da idade, perfeitamente justificável. Você é ainda tão jovem de alma que continua com os mesmos medos de adolescente.
Minha estimada formanda, compre um vestido lindo, convide seus melhores afetos e comemore. Você é uma vencedora absurdamente sortuda. Mais uma coisinha bem pequenininha: não me odeie por essa crônica e não mate sua filha por ela ter me contado sua história.

Essencial

Às vezes tenho deixando de falar o essencial. Emudeço, acho que alguém já disse ou que o outro já sabe. Penso em comentar alguma coisa e acabo deixando pra lá porque suponho que o outro já saiba, alguém já tenha lhe contado, ele não tenha tempo para isso, não vai achar importante, vai achar bobagem. Não é possível achar que quem lê o mesmo jornal, vê o mesmo filme ou lê o mesmo livro está sentindo as mesmas coisas e por isso não precisamos nem perguntar.
Estamos levando a vida ou é o contrário? Pessoas juntas, bem pertinho trocam e-mails uma em cada peça do escritório ou de casa falando muito menos do que deveriam. Por preguiça de teclar acabamos falando só o superficial, o mais enxuto. E quando encontramos alguém que não é do mundo virtual, que não tem essa pressa louca de chegar não sei onde, estranhamos. Achamos a pessoa chata, falante demais, perguntadora demais. Loucura! Pressa, preguiça e suposição são minhas grandes vilãs atualmente.
Eu estava no estacionando do supermercado quando se aproximou de mim um rapaz. Ele já foi logo avisando que não era ladrão. Ofereceu-se para colocar as compras no carro e quando eu acendi um cigarro ele já foi logo falando: isso daí mata tia. Minha mãe morreu por causa disso. Sem graça estico um pouco a conversa e pergunto do que ela morreu e ele me responde de câncer. Com quantos anos? Quarenta e sete. Muito jovem, digo eu. Ele diz que sente muita falta dela e que o pai bebe muito. Não entendi se o pai também já morreu ou não.
Eu tinha tanta pressa de colocar aquelas compras no carro, buscar minha filha na casa de uma amiga e ir para casa que desperdicei o diálogo com aquele menino. Quando fui dormir, quando coloquei minha cabeça no travesseiro e fiz um pequeno backup do meu dia, eu me dei conta do que poderia ter sido aquela conversa. Lembro, também, do menino ter dito que não estava indo ao colégio porque lhe faltava um caderno e um livro de matemática. Mas que logo logo ele ia conseguir e voltar à Escola.
Eu confesso: não fiz nada. Eu escutei, mas entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Automaticamente. E, assim tem sido muitas coisas. Será que é só comigo ou é um problema generalizado? A gente escuta porque o outro está falando, mas estamos tão no automático que seguimos realizando todo o resto, respondendo com monossílabos assuntos importantíssimos. Arrã, ta, já vou, agora não.
Ainda no Super encontramos um bebê recém nascido, eu e minha filha. No meio das compras lembro-me dela perguntar mãe você achou aquele bebê bonito? E eu respondi sim. Ela balbuciou alguma coisa que eu juro que não me lembro porque eu estava ocupada demais em escolher qual azeite de oliva colocar no carrinho.